Hoje cheguei quase meia hora atrasado ao local de trabalho, um luxo a que se podem permitir os protagonistas do sucesso garantido no tempo da euforia cavaquista que nos levava a acreditar que o mundo estaria aos pés de qualquer empresário em nome individual.
Sinto-me, claro, embaraçado pelo mau exemplo que constituo para uma Nação em plena agonia económica e que tanto precisa de um pontapé nos fundilhos da sua produtividade paupérrima.
Contudo, tento perdoar-me este desmazelo com uma deslocação acentuada do eixo do meu raciocínio circular que me conduz à desculpabilização fácil que me oferece de bandeja esta economia de mercado adolescente que já provou nem saber tomar conta de si própria e por isso pouca credibilidade me merece quando se arma ao pingarelho com os bitaites das agências de rating que se provou estarem completamente mergulhadas no atoleiro criado pelo desvario financeiro dos gajos que afinal lhes explicam como funciona todo este esquema que, dizem, faz girar o mundo.
O mundo português até começou por girar numa imensidão de comerciais ligeiros de dois lugares que denunciam o chico-espertismo da nova classe empresarial que lhes descobriu o potencial para facultarem o acesso aos apetecidos motores diesel que a dupla tributação de um Imposto Automóvel estapafúrdio vedava nas caríssimas versões de cinco lugares. Todavia, não tardaram os veículos de mercadorias a verem-se substituídos pelos todo-o-terreno, pelos monovolumes com sete lugares e, finalmente, pelos Audi, BMW e Mercedes que agora constituem presa fácil para as empresas de recuperação de crédito associadas aos bancos e entidades para-bancárias que vêem mal parados muitos dos seus outrora aliciantes contratos de leasing.
De repente, milhares de cidadãos embarcados na aventura empresarial começam a descobrir que o mundo ficou de facto a seus pés mas apenas por estar de rastos. E o chão transforma-se aos poucos num piso instável, uma fina crosta que mal sustenta o peso dos encargos mínimos de funcionamento de um país e nos separa de forma precária das areias movediças onde todo este sistema parece assentar, pronto a desabar-nos sobre as cabeças. É que tudo isto acontece numa altura em que a maioria dos tais empresários de pé descalço, onde me incluo por ironia do destino, ultrapassaram a fasquia dos quarenta e acordam para uma realidade no mercado de trabalho sem margem de manobra para falsas esperanças por parte de quem nem a um subsídio de desemprego pode recorrer quando começarem a espirrar os coliformes agarrados às pás da ventoinha ou mesmo do equipamento de ar condicionado xpto que fora encaixado pelos generosos financiadores no que restava do limite de endividamento na época de ouro desta geração cofidis.
O subprime manhoso que dizem nos entalou (mas continua a enriquecer aqueles que o promoveram como um presente envenenado para os investidores totós) serve agora de consolo para todos quantos vivem o descalabro das estruturas que criaram com base nos favores daqueles que agora se apressam a exigir de volta o guarda-chuva porque lhes pingou em cima uma parte das perdas resultantes de um embuste que acabaram por alimentar com a sua ganância desmedida e uma irresponsabilidade sem perdão. E é esse que me concedo, quando meto tão tarde a chave à porta porque me foi penoso acordar para a realidade como ela está no mundo dos negócios onde subitamente nem os tubarões se safam perante as incontáveis piranhas que nos retiram dos ossos com enorme eficácia a pouca carne que restou.
E se vos incomoda de alguma forma este estado de espírito, aguentem-se e não me flixem que hoje é segunda-feira, roubaram uma hora ao fim-de-semana e nem a merda do clima ajudou...