EU GOSTO DE PESSOAS
Foto: Shark
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Foto: Shark
Dizia-me o gajo, e com alguma razão, que a banalização do conceito de excentricidade está a tornar o mundo cada vez mais acolhedor para os malucos. Comportamentos e ideias que há umas décadas atrás garantiam uma estadia no Hospital Júlio de Matos são agora aplaudidos e até remunerados em reality shows das televisões.
E eu olhava para ele, para a sua expressão lunática por detrás de uns óculos com armação dos anos sessenta e para alguns cromos que nesse preciso instante vociferavam na mesa do lado uma teoria da conspiração qualquer, ficava em silêncio e pensava que sim.
Às tantas ele até tinha razão.
Sinceramente não sei se o fenómeno é mundial, mas ver a CNN a desviar a emissão em directo para a chegada do tsunami ao Havai (que até agora se resume a uma ligeira subida do nível do mar, com as câmaras a filmarem ondas com alguns centímetros de altura), deixando cair em absoluto a ampla cobertura ao Chile, onde aconteceu um dos cinco terramotos mais fortes desde que existe um registo, recorda-me que nas aflições cada nação cuida de si e o problema dos outros é sempre relativo.
Por outro lado, a comparação entre a ressaca dos sismos no Chile e no Haiti (quem? - perguntam os telespectadores americanos) forneceu um exemplo claro da diferença de capacidade de resposta entre um país democrático e com instituições funcionais e a debilidade óbvia do poder perante a catástrofe numa terra (quase) sem lei.
Estas calamidades naturais possuem o condão de deixar à vista a diferença entre uma liderança forte com uma organização política em condições e as repúblicas das bananas onde a falta de dinheiro não explica tudo em matéria de colapso institucional.
Num país sem regras para a construção de edifícios, por exemplo, e onde a corrupção impera, as consequências deste tipo de fenómeno são sempre mais devastadoras e isso recorda-nos o quanto vale a pena combater o desleixo e as impunidades dos quais proliferam exemplos no nosso próprio país.
Na tragédia é como melhor se percebe a fragilidade de qualquer sistema mergulhado no caos e mais se sente a falta de uma organização cuidada e de uma liderança respeitada.
E considerando a imagem actual das principais figuras do Estado Português e mesmo dos chamados pilares da Democracia, bem podem deixar cair o regresso de El-Rei D. Sebastião.
Se um dia algo de parecido com o que se passou no Chile acontecer aqui, quem vamos precisar de descobrir na bruma é mesmo o Marquês de Pombal...
Sim, um ventito e tal...
Sim... uma chuvita aqui e além...
Pois... não é que a pessoa fique desiludida com os senhores da Protecção Civil e da Meteorologia por exagerarem até à banalização com os seus alertas amarelos e laranja e assim... no fundo até é bom que o clima lhes troque as voltas pela positiva...
Mas lá que a pessoa fica um nadinha céptica do jeito daquela malta para a adivinhação, lá isso...
Pelo menos parte da freguesia da Maia (Grande Porto) está sem fornecimento de electricidade há várias horas.
O objectivo do jogo é encurralar o rei adversário.
Mas durante cada partida todas as peças do tabuleiro querem mesmo é comer a rainha...
Ela sabia que na janela aparecia um homem interessado em observar. Sempre à mesma hora, todos os dias, no período que reservava para limpar o chão da loja onde trabalhava, do outro lado da mesma rua onde sabia existir o seu voyeur particular.
Depois do desconforto aprendeu a apreciar a situação, o homem que olhava provocava-lhe tesão com o seu interesse descarado, com o seu olhar deliciado com as formas do corpo que ela tentava agora enfatizar.
Deu por si a vestir-se para lhe agradar em cada manhã e tentava insistir nas posições mais reveladoras, decotes arrojados e saias mais curtas no Verão. E ele oferecia-lhe a emoção de constatar que cada dia a começar não prescindia do miradouro na janela onde se fixava naquela mulher apetecível como se sentia, importante para aquele observador insistente e dedicado.
Durou alguns anos, o ritual, até ao dia em que ele deixou de aparecer à janela para a espreitar e ela nunca chegaria a saber o que o levara a abdicar de ser o único homem a dar-lhe prazer, sem sequer a tocar.
Foto: Shark
Etilizado, sentou-se na cadeira de baloiço do alpendre e ficou entretido a observar a agitada perseguição policial. Quase ouvia zunir as balas trocadas, apanhado no fogo cruzado entre as forças da lei e os malfeitores, petrificado por aquela situação.
Acelerava em demasia o coração, de cada vez que via tombar um dos participantes no tiroteio que se instalara diante da fachada da sua casa em madeira à beira de uma estrada secundária no meio de um ermo qualquer, na sua terra natal.
Quase tanto como quando vivia no estádio, assim o julgava, as emoções de cada jogo da sua equipa que queria campeã ou quando seguia o drama de uma família desconhecida apanhada no meio de uma trama qualquer que se arrastava ao longo de meses numa novela vivida diante do seu olhar.
A vida a acontecer, permanente, num mundo que não o deixava fugir da realidade como a sentia, perigosa, confusa, perturbadora do sossego que buscava na miragem, na memória, de um horizonte sem fim que o agarrava à cadeira de baloiço do alpendre que não pisava desde a década de setenta em que migrara para outro lugar.
E foi por isso que acabaram por o encontrar ao fim de alguns dias sem dar conta de si, sentado afinal no sofá do seu apartamento nos subúrbios da cidade onde vivia há anos voluntariamente enclausurado, sozinho, uma velhice demente, fulminado por um enfarte e com os dedos da mão direita contraídos como pedra em torno do comando à distância da televisão.
Já aqui afirmei por mais de uma vez a minha discordância com muito do que Alberto João Jardim diz e representa. No entanto, e perante o cenário enfrentado pelos madeirenses, nomeadamente o líder que ninguém pode questionar na dedicação à sua terra, seria de mau gosto aproveitar a tragédia para encontrar mais uns defeitos do homem para estar entretido neste ou noutro espaço.
Isto a propósito do tempo e energia gastos pelos que se apressaram a apontar o dedo a alegados erros de urbanismo e outros aspectos susceptíveis de alimentarem a sua reacção espontânea a tudo o que se passou.
Irrita-me, este oportunismo preguiçoso e extemporâneo dos que nem esperam que arrefeçam os cadáveres para se comportarem como hienas. É extemporâneo porque não respeita sequer o tempo para a dor de que as pessoas necessitam antes de se apurarem quaisquer responsabilidades. E é preguiçoso porque os apressados em causa preferem canalizar a sua energia e motivação para a identificação de eventuais culpas e culpados, coisa que podem fazer no conforto burguês das suas poltronas, em vez de (já que não arregaçam mangas para irem ajudar portugueses em aflição) utilizarem as mesmas capacidades para congeminarem formas de atenuar as dificuldades enfrentadas pela população a quem nesta altura de nada interessa o enfraquecimento do seu líder histórico quando mais precisam da sua força e resistência.
É vil, esta forma de reagir a uma catástrofe natural ou mesmo aos erros que possam ter agravado as suas consequências. É inútil, pois ninguém com sensibilidade e bom senso dará ouvidos ao rosnar de ambientalistas e outros visionários que já sabiam que isto ia acontecer se estes se fizerem ouvir em plena ressaca do que se passou.
Ainda nem se sabe ao certo quantas pessoas perderam a vida nesta catástrofe, gentinha...
Os madeirenses precisam de contar com todos os portugueses para ultrapassarem este problema, nomeadamente porque os grandes operadores turísticos serão lestos a desviarem os seus circuitos para as Canárias ou similar se a Madeira não se apressar na reconstrução e no restabelecimento da normalidade possível.
Não precisam, para já, de papagaios ou de oportunistas (qualquer aproveitamento político-partidário a esta situação será infame) sedentos de pretextos para, na prática, baterem no ceguinho enquanto este está de costas.
Alberto João Jardim é a única pessoa com condições para coordenar esforços e mobilizar vontades para a tarefa hercúlea que espera os madeirenses. E mais: muitos dos argumentos que me têm servido como a outros para o criticar serão, paradoxalmente, os seus maiores trunfos na missão que terá que abraçar como uma obsessão.
Por isso e porque para fazer frente a tragédias ninguém precisa dos queixinhas de serviço (é assim que se vestem com a sua pressa excessiva) mas sim de gente capaz de servir como ponto de orientação para uma população em choque e seguramente sem vontade nem pachorra para aturar melgas.
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