Os fantasmas existem e podem atormentar-nos sob as mais variadas formas.
Podem tratar-se de espíritos em transição, de figuras de corpo presente ou de reputações que se colam às pessoas como segundas peles.
Se as almas penadas assustam por se poderem constituir assombração, em teoria ainda por comprovar behond reasonable doubt, já os fantasmas de carne e osso ou os que derivam de erros ou de omissões passadas assumem-se nessa condição.
A imagem mais popular dos fantasmas coloca-os embuçados sob lençóis, uma estranha opção cinematográfica mas que pode explicar-se como uma metáfora para sugerir onde ou ao que estão ligados a maioria dos fantasmas que atormentam as consciências da maioria.
Podem tratar-se de medos ligados a desempenhos menos bons na cama e respectivas sequelas ou apenas a ciúmes que, como todos sabemos, incluem inevitavelmente o espectro alvo da assombração tradicional no quadro negro que as pessoas traçam quando se presumem ou descobrem “traídas” por espíritos não do outro mas deste mundo. E em boa parte das ocasiões acabam por se revelar tais imagens tão fantasmagóricas como as ameaças espirituais que, na prática, nunca se provou sequer existirem de facto.
Contudo, as reputações constituem provavelmente os fantasmas mais insistentes das três categorias que enumero acima. E duradouros também.
As reputações, que embora possam ter alguma conotação com os lençóis por eventualmente nascerem sob a cobertura dos mesmos acabam por poder erguer-se das tumbas a qualquer pretexto, perseguem-nos como assombrações constantes, permanentes, durante toda a vida em casos pontuais.
Mais facilmente se exorciza um fantasma daqueles a sério, com correntes arrastadas pelo chão e através de paredes e de portas, do que se desmente determinada reputação que acabe colada à imagem que damos de nós.
Se existem, em teoria, recursos ao nosso alcance para enviar para o Além propriamente dito as almas encravadas a meio do caminho os mesmos são escassos e pouco eficazes quando as pessoas se confrontam com as restantes categorias de assombração.
Os de carne e osso, demasiado tangíveis para podermos ignorá-los, podem ser banidos da existência com uma boa dose de mentalização embora possam regressar nos momentos mais inesperados para nos desmentirem o excesso de fé na sua transição bem sucedida para uma outra vida que não a nossa onde dispensaríamos a sua intervenção.
Ainda assim, acabam por manter uma presença relativamente distante e aparições meramente casuais.
Mas para o fantasma de uma reputação não existe antídoto de eficácia comprovada.
Uma vez criada em nosso redor cristaliza como uma aura provavelmente definitiva que nos persegue em qualquer lugar e condiciona muito mais do que qualquer outro espírito da coisa (sendo que a coisa são as nossas vidinhas à mercê dos ghostmakers em que um episódio infeliz ou apenas uma má interpretação por parte de terceiros nos pode tornar).
Esta última característica torna as reputações no fantasma mais cruel, irónico até, por poder facilmente ganhar corpo, passe o trocadilho, no interior de cada um de nós. Ou seja, por poder ter origem nas nossas atitudes, nas nossas palavras ou mesmo no conjunto daquilo que somos e nos medos que isso possa inspirar em alguns outros convertendo-os numa espécie de zombies que nos perseguem com o eco de uma má fama, talvez um boato, talvez uma associação de ideias tão fácil e instantânea como uma sopa knorr ou maggi, até nos acreditarmos possuídos pelo fantasma de algo que em boa medida nada tenha a ver com a realidade dos factos ou das nossas intenções.
São assim tão fiéis os fantasmas das reputações ao padrão convencional.
São interpretados como forças do mal, são quase eternos (podem até acompanhar-nos a imagem para lá do fim terreno), podem assombrar-nos cobertos pelos lençóis.
E atravessam paredes e portas mas entram ainda com mais à vontade nos frágeis revestimentos dos cérebros que se deixam possuir sem tentarem resistir à tentação demoníaca dos rótulos que dão um imenso jeitão a quem prefere acomodar-se à familiaridade fácil de uma constatação leviana do que prestar-se ao apuramento da verdade “científica” por detrás e que, regra geral, acaba por conseguir desmistificar as mais realistas assombrações que com uma simples aceitação tácita de dados adquiridos ou de experiências passadas se pintam.
Sem ligarem importância a quaisquer dados que noutros cenários e conjunturas eventualmente as desmintam.