Já não é segredo para ninguém. Nos noticiários de televisão é obrigatória a inclusão de uma peça noticiosa acerca dos três grandes clubes portugueses de futebol. E nem interessa se existe de facto algo de novo para dizer, é mesmo um dever da redacção incluir no alinhamento uma referência qualquer a cada um dos três, Benfica, Porto e Sporting, mesmo que dela conste apenas a descrição do que aconteceu ao longo do último treino das respectivas equipas.
Isto é patético, qualquer que seja a perspectiva. Mesmo para quem gosta de futebol é maçador passar um terço dos noticiários a ver escalpelizada a entorse de fulano tal que pode ou não impedi-lo de disputar o importante desafio contra o FC Freixo-de-Espada-à-Cinta. Ou a ouvir a décima repetição das brilhantes declarações de um treinador que tenta apenas salvar o tacho que os resultados colocam em causa. Ou a conhecer as previsões de outro treinador quanto ao próximo encontro da treta a acontecer apenas dois ou três dias depois.
O desconforto desta situação sinto-o por não poder apontar o dedo a outro grupo que não ao dos jornalistas que amocham perante absurdos desta dimensão.
Custa-me a acreditar que ninguém de entre todo o pessoal que trabalha nas televisões, na redacção das mesmas e não nos departamentos de publicidade ou financeiro, consiga dar conta da vergonha que isto representa.
Ou escolhem a dedo os mais imbecis ou então temos explicada a falta de isenção a que a dependência de um ordenado mensal obriga.
E em qualquer das hipóteses estamos perante aquilo a que chamo traição com todas as letras, doa a quem doer. Traição a todos os princípios que devem pautar o ofício, sem excepção, até porque são muitas as falsidades divulgadas (e ainda mais as frivolidades) sem que alguém as questione nessa condição.
Sempre acreditei que abraçar o jornalismo como modo de vida implicava abdicar de muitas das garantias que se têm como certas noutras actividades profissionais. Mas em momento algum me passou pela cabeça que vender a alma, abdicar da consciência crítica ou aceitar o papel de “voz do dono” fossem sacrifícios sequer ponderáveis por quem entende a responsabilidade e o espírito de missão que envolve, por inerência, o estatuto de um jornalista.
De resto, entendo que a falta de respeito a esses pressupostos são o prenúncio do fim da credibilidade que sustenta a profissão, a sua única condição imprescindível (mais até do que o talento que já toda a gente percebeu não ser requisito fundamental).
À agonia do jornalismo sério fomentada por tablóides, revistas cor-de-rosa e afins soma-se agora a da cedência por parte dos que alegadamente o representam.
O fenómeno aberrante com que iniciei esta posta é por demais evidente dessa incapacidade de lutar contra o predomínio do boçal que leva alguém a empenhar tempo e recursos nas tricas de balneários em detrimento dos temas que efectivamente interessam às pessoas, mesmo que os barómetros de audiências impinjam o oposto.
E essa triste constatação, porquanto fonte de desalento para quem vê no jornalismo um dos bastiões de uma democracia saudável, é um garante da ascensão da blogosfera a um patamar que ninguém podia vaticinar quando a imagem desta comunidade correspondia à visão Moita Flores, estereotipada, que mais conviria a políticos, a colossos financeiros e à falange de alimárias que conferem projecção aos que deturpam se necessário a verdade (omitindo-a) para não hostilizarem os diversos poderes no controlo dos fiozinhos ao sabor dos quais estes jornalistas de fachada se movimentam.
É a melhor receita para que a blogosfera independente e credível ocupe um espaço em branco na Comunicação Social que as receitas “ganhadoras” de anestesia de massas acabam por fomentar com a sua crescente perda de dignidade, de brio e até de uma característica que antes orgulhava os jornalistas e hoje parece constituir um pecado mortal.
A da coragem que transparecia do culto de uma incómoda e arriscada mas indispensável irreverência.