Parecia carregar às costas cada um dos fardos que a vida lhe impôs em dada altura. Vergado sob o peso da sua incapacidade para deixar cair as suas culpas, mais as dos outros que assumia para se flagelar.
Lia-se o remorso no olhar perdido num ponto qualquer quando se cruzava com outras pessoas, eremita num apartamento dos subúrbios, temido pela incógnita que o seu recolhimento representava para os vizinhos com vidas vulgares que todos podiam debater pelas costas uns dos outros.
A dele ninguém conhecia, ninguém a sabia e por isso afastavam-se da sua figura sinistra como se de um barril de pólvora com pernas se tratasse, como se bastasse um encontrão descuidado para acontecer uma explosão de loucura de proporções inimagináveis para cada um dos cobardolas que dele fugiam sem saberem porquê.
Os anos passavam depressa e ele envelhecia e alguma vizinhança temia que a coisa fosse a pior, os sarilhos a valer que toda a gente comentava em surdina, boatos, que poderiam acontecer ali como alegadamente noutro sítio no passado daquele ponto de interrogação.
Procediam a uma apurada investigação, com a ajuda de um amigo polícia, quando correu a notícia do corpo encontrado numa janela, pendurado pelo pescoço, o coitado do homem como passou a constar.
Já ninguém parecia duvidar da sua inocência quando lhe anunciaram o fim.
A solidão e a tristeza, o abandono a que o votaram, o desprezo que fomentaram sem uma razão concreta, apagados à pressa com um apagador imaginário pelos que o difamavam apenas porque sim.
A vergonha camuflada pela conveniente hipocrisia colectiva que contava agora uma história contrária à memória do que verdadeiramente aconteceu.
Era apenas um velho amargurado que passava a vida calado e finalmente morreu.