Sempre que li algo acerca das várias crises sofridas pelos nossos antepassados, nomeadamente a célebre Grande Depressão que surge como o papão da moda nestes dias de crash aos bocadinhos, pensei com os meus botões: se algum dia me tocar uma cena destas não quero de todo ser apanhado com as calças na mão.
Claro que como todos os gajos muito espertos que se acreditam sempre no controlo da situação acabo por me ver com as calças nos tornozelos.
E por isso tenho andado a investir parte do tempo útil do meu neurónio activo numa espécie de plano de contingência para os piores cenários.
Naturalmente não há plano que resista a uma crise tão prolongada como uma novela brasileira e tão imprevisível no desfecho como um filme do Hitchcock.
Ontem foi o petróleo a subir que nem um daqueles novos brinquedos espaciais do virgem Branson, hoje é a bolsa a cair que nem aquele padre que decidiu aproximar-se do Criador pendurado em balões. E amanhã podem ser as taxas de juro, a desvalorização do dólar ou um dia não de um sinistro especulador qualquer nas ilhas Caimão.
Um gajo nem sabe para onde apontar baterias nesta pequena, média, assim-assim, depressão que de facto nos deprime a cada fim do mês mas nem é nem deixa de ser e nunca mais nos toca assim uma bancarrota daquelas que até fazem derreter glaciares como na terra da Bjork.
Ainda assim, ponho-me a pensar (com as devidas cautelas, por recomendação médica) acerca das evoluções possíveis do cenário macro e depois encaixo-as no meu orçamento micro e dispara-me a veia catastrofista e só me vejo exilado num parque de campismo tão remoto que nenhum credor possa descobrir-me sob a capa do jovem agricultor. Do agricultor recente, pronto.
Dou comigo a prestar crescente atenção à secção das conservas nos hipermercados, imaginando o quanto poderá saber bem uma chispalhada em lata da Nobre depois de uns meses sem guito para jantar fora lá dentro.
Noto também o progressivo distanciamento do meu carro, esse bem tão apetecível nas penhoras, e de tudo quanto é montra de loja de electrodomésticos onde os magníficos LCD exibem um telejornal em alta definição com as bizarras notícias desta crise mal definida.
E o tal plano bê que estou a preparar para os cenários possíveis?, perguntarão os leitores mais atentos ou apenas aqueles que já que chegaram até aqui querem saber a totalidade da história. Pois, não estou a prepará-lo.
Não tenho mesmo um plano para a contingência que afinal podem ser tantas, ou mesmo nenhuma – com esta crise morte lenta que nos obriga a deixar a tampa do caixão aberta e nunca mais nos enterram de vez, pelo simples facto que o povo tão bem traduz na sua infinita sabedoria: não há dinheiro, não há palhaços.
Exactamente. Sem pilim não há plano de burguês falido que resista, precisamente porque anos consecutivos de relativa abastança habituaram-nos a planear a vida em função dos fundos disponíveis. Até os filhos eram adiados para “uma conjuntura mais propícia”. E agora, no fundo dos tachos, começam a surgir as clareiras onde antes havia qualquer coisinha para rapar…
Ou seja, mais vale seguir a receita ganhadora de um velhinho panfleto norte-americano de procedimentos de segurança em caso de ataque nuclear ao qual, por paródia, alguém acrescentou um último item que não traduzo porque arrisco a que perca a graça e vocês não apanhem a ideia:
then place your head firmly between your legs and kiss your ass goodbye.