Li algures que a maioria absoluta PS votará contra uma proposta de lei para tornar possíveis os casamentos homossexuais.
Pouco me surpreende, embora me desiluda. E nisto nem sou juiz em causa própria nem pretendo vestir a pele do liberal politicamente correcto para dar a pala. Rejeitar a lei em causa equivale a um mero adiamento do inevitável e é uma atitude que só serve para dificultar (ainda mais) a vida às pessoas, interferindo com o seu direito à felicidade como entenderem experimentá-la.
Custa-me a entender a cobardia política inerente à posição que o PS se prepara para assumir, renegando em prol dos interesses eleitoralistas a própria essência do que entendemos como um partido de esquerda. Em causa, visto tratar-se apenas da institucionalização de algo que acontece de facto e que envolve demasiadas pessoas para que existam atenuantes para esta posição da maioria rosa, está o reconhecimento legal de uma condição que em nada afecta os cidadãos que não a subscrevam.
Ou seja, nenhum prejuízo directo será sofrido pela sociedade que não o do nojo com que alguns, a qualquer pretexto, encaram certas diferenças. E isso conduz de imediato à conclusão de que se trata de uma cedência ao preconceito e não da defesa de alguma questão de princípio.
A liberdade de amar é sagrada e não se compadece de quaisquer renitências, fundamentalismos ou pudores. Não é algo que se deva colocar no plano das preferências do cidadão comum, ao livre arbítrio de meras opiniões.
Nem é necessário ser a favor ou contra a existência de relações entre pessoas do mesmo sexo para perceber que ninguém tem o direito de interferir nas escolhas dos outros só porque sim. A lei não obriga seja quem for a aceitar sequer um convite para as cerimónias matrimoniais gay…
Por outro lado, não estamos a falar dos “sagrados laços” do matrimónio mas apenas da assumpção jurídica do estatuto de cidadãos livres e iguais aos outros, o respeito pela diferença que nos merecem os que já sofrem na pele as variadas e cruéis variantes de discriminação que esta rejeição do projecto de lei acentua (pelo beneplácito do poder).
Enquanto heterossexual poderia optar pelo estar-me nas tintas, mas na pele de cidadão jamais pactuarei com esta tendência hipócrita para negar aos outros a validade das suas opções só porque me contrariam e a dignidade das instituições só pelo prazer mesquinho de os/as privar das suas realidades que preferimos escondidas.
Têm vergonha (ou medo) de quê?
Repito que se trata de escolhas que nem o são, pois somos o que somos e existem apelos e instintos que não conseguimos rejeitar. As pessoas não podem camuflar as suas emoções, os seus desejos. E têm o direito de amar quem o coração lhes mandar, livres do crivo censório de quem não tem mesmo nada a ver com o assunto.
Uma legislação desadequada é um factor de perturbação social, pois as mentalidades formam-se em boa medida com base no espírito que a lei reflicta.
Nesse sentido, a mensagem que o Parlamento transmitirá quando e se concretizar a sua recusa é a pior possível e constitui um retrocesso naquilo que, para todos os efeitos, constitui o progresso ideológico e a natural mudança nos costumes de qualquer sociedade que defenda valores (em teoria) que tentam desacreditar os maus exemplos que ilustram o lado negro da interferência religiosa ou política na vida dos cidadãos.
É essa abertura à evolução das ideias e dos costumes que distingue o modelo de sociedade que adoptamos e não faz qualquer sentido, apenas por conveniência política – não quero acreditar que derive da posição individual dos deputados em causa, negar sem argumentos válidos (pelo menos eu não os valido com toda a certeza) um direito cuja efectivação, aos olhos de tudo o que afirmei, constitui na prática um dever para qualquer legislador que se afirme livre de seguir o caminho da sua consciência em detrimento do sinuoso percurso que a disciplina partidária acarreta nesse particular.
E eu vou aguardar a confirmação desta péssima notícia para o Portugal em que cada vez menos me revejo, precisamente por sentir como minhas as dores de quem é descaradamente afectado/a por estas manifestações de uma mentalidade arcaica e de uma postura bafienta.