Dá-me a sensação de que o capitalismo, apesar de ser uma realidade feita por pessoas, ganhou vida própria e entrou com a globalização num ritmo que o obriga a correr mais depressa do que as pernas (e as cabeças) humanas conseguem acompanhar.
A voracidade do sistema parece ter tomado conta das prioridades e de repente os objectivos anuais das empresas passaram de ambiciosos a quase impossíveis de cumprir sem se conduzirem os colaboradores das empresas à exaustão. Ou pelo menos à saturação de terem que lidar diariamente com o desespero da cadeia hierárquica por resultados que a própria lógica da redução de custos acaba por dificultar.
Menos pessoas com mais tarefas, call centers e equipas comerciais desenfreadas, pressão por telefone, por email e pelos media tradicionais sobre os consumidores incapazes de chegarem a todo o lado e endividados pelo fervor consumista eufórico que se impõe por via artificial.
Todos passámos a não poder viver sem coisas absolutamente desnecessárias, para sustentarmos a máquina que precisa de lucrar muito e depressa para adiar o extermínio puro e simples dos mais pequenos às mãos de corporações cada vez maiores, cada vez mais impiedosas e chantagistas na gestão do esforço do seu quadro de pessoal.
Para depois serem estas as que se revelam mais vulneráveis às conjunturas, sobretudo às de abrandamento que a lógica do sistema não está preparada para enfrentar.
É como se a economia global tivesse ficado sem travões numa estrada cada vez mais sinuosa e, por estes dias, manifestamente a descer.
E leio nas pessoas a insanidade que tudo isto provoca, dia após dia, a pressão insustentável do emprego que ninguém pode perder. A qualquer preço, mesmo a doer, no engolir em seco de prepotências e de pressas e de ganâncias indispensáveis como as chicotadas nas galeras como estímulo para os remadores.
Sem grandes contrapartidas no horizonte, caminhamos todos em passo de corrida atrás de uma cenoura que se converte aos poucos numa miragem e os espectros da falência do posto de trabalho ou do colapso da estrutura financeira familiar vão tomando o lugar do legume e assim se acrescentam uns pós à neura, à ansiedade, à falta de brio e de escrúpulos de quem não pode recusar o sistema tal como ele se configura.
Receio esta progressiva discrepância entre o que a tirania dos números exige e aquilo que cada um de nós consegue, de facto, produzir. Maior o problema quando aplicado à realidade nacional, feita de malabaristas, de optimistas e de improvisadores.
Receio que as coisas não possam, nestes moldes, conhecer melhorias nos tempos mais próximos.
E já dou comigo a virar a cara para o lado perante a catadupa de indicadores da razão que desta vez não quero ter.