De repente, o tempo pode adquirir uma nova dimensão. O tempo desperdiçado em vão, em merdinhas que não valem a pena, insignificâncias que não fazem história porque não ficam na memória seja de quem for. As arrelias também, supérfluas, a reclamarem para si um tempo que deve ser gasto a sorrir enquanto a vida nos permite acreditar que o tempo nunca vai acabar e essa é afinal a mais traiçoeira das nossas ilusões.
Num instante, a velhice temida pode passar a uma fase apetecida pois só o tempo valioso nos permite senti-la a chegar. E o tempo pode mesmo não sobejar, às mercê das armadilhas que qualquer existência enfrenta, ditames da sorte, estatística aziaga que pode trocar as voltas ao maior dos optimistas quando entende inflamar o pavio que antes queimava ao ritmo lento a que cada dia passava quando o tempo parecia jamais se esgotar.
Mas o tempo, indiferente aos protagonistas de ocasião, caminha de acordo com a percepção que dele se tem. Não se perturba com o mal ou com o bem que aconteça à sua passagem, a cada um a sua viagem e tanto lhe faz onde fica a última estação ou simples apeadeiro para aqueles a quem acaba o bilhete, chamem-lhe destino ou chamem-lhe sorte, mantém o mesmo ritmo desde o dia em que começou a contar.
Os grãos de areia na ampulheta a escoar, implacáveis, na correria em que o tempo se lança no relógio daqueles que descobrem, de repente, que pelos caprichos terrenos ou pelos desígnios do céu a sua ampulheta encolheu e tudo na vida adquire uma nova dimensão. A vida condicionada por outro tipo de preocupação, direccionada para o usufruto do que resta, acelerada à medida do tempo que decidiu de forma súbita encurtar nos planos palermas, a longo prazo, de alguém.
O tempo que cada um de nós tem para deixar rasto da passagem enquanto nos iludimos com a miragem de uma eternidade conquistada depois de o fim se esboçar no instrumento de medida do tempo que nos resta de vida para usufruir.
O tempo que se passeia assim, misturado na areia que de repente pode parar de cair.