Começo nesta posta por deixar clara a minha posição acerca dos Jogos Olímpicos de Pequim.
Ao contrário de muita gente hipócrita ou simplesmente nas tintas para as repercussões da atribuição deste papel a um país como a China, eu não faço de conta que desconheço os atropelos aos Direitos Humanos, a tortura, a repressão, a privação das liberdades individuais (que chegam ao ponto de interferir com a decisão de quantos filhos um casal pode ter) e, para não me tornar exaustivo, a questão tibetana.
Ninguém pode quantificar o peso das Olimpíadas de Munique na consolidação da popularidade do III Reich entre a população alemã, com as consequências que o Mundo jamais esquecerá.
A ver vamos o impacto deste erro repetido na nação mais populosa do planeta e, seguramente, uma das potencialmente mais hostis.
Esta introdução visa sobretudo esclarecer o facto de me ser absolutamente irrelevante a questão das medalhas conquistadas pelos atletas portugueses, dos quais nem um teve a coragem necessária para dizer não à sua participação neste erro colossal.
Contudo, a partir do momento em que se predispuseram a conceder o seu beneplácito por inerência todas elas e todos eles assumiram a obrigação de darem o seu melhor.
E isso aplica-se no campo desportivo como no da postura em termos pessoais.
Vanessa Fernandes e Rosa Mota, duas atletas de eleição e acima de qualquer suspeita levantaram a ponta do véu em desabafos perigosamente coincidentes e deixam os responsáveis pela nossa delegação em maus lençóis quando questionam a atitude de alguns atletas na competição. Ambas insinuam desleixo, irresponsabilidade. Ambas permitem um terrível paralelo entre a realidade das modalidades presentes na China e a do nosso futebol.
A detentora da melhor marca mundial do salto em comprimento, Naide Gomes, não conseguiu em três tentativas uma prestação melhor do que a de uma atleta de nível inferior. Viu os dois primeiros anulados, algo de bizarro para quem faz aquilo praticamente todos os dias, e até a um leigo na matéria pareceu estar a fazer de propósito para falhar o terceiro e último que a arredou da competição.
A judoca Telma Monteiro cometeu erros infantis na sua prestação e ainda os avolumou com declarações de menina arrogante e mimada que nos envergonham bem mais do que o seu mísero desempenho desportivo.
O Francis foi o que se viu.
Salto incumprimento
E no paralelo com o futebol salta-me à memória a diferença chocante entre os jogadores ao serviço das suas equipas milionárias e quando envergam a camisola da nossa selecção. É difícil descartar nestas diferenças o valor pecuniário equivalente às vitórias nos grandes eventos europeus e mundiais, tanto de forma directa como por via dos contratos publicitários, por comparação com os montantes em causa numa competição como as Olimpíadas ou um Mundial de futebol.
É difícil ignorar o nível de concentração dos atletas nessas provas milionárias por comparação com o que se tem visto em Pequim e se adivinha nos desabafos que acima citei. Presumo que a procissão ainda vai no adro em termos do que se terá passado nos bastidores da aldeia olímpica e se reflectiu depois nos sucessivos desaires de tantos medalhados por antecipação.
Se decidiram participar, em nome do espílito olímpico ou com base noutro argumento qualquer, era-lhes exigido que se comportassem à altura, sobretudo no domínio da atitude pessoal, sob pena de agora arriscarem a pele de mercenários que lhes visto nesta posta e no que, estou certo, mesmo que muitos mantenham o silêncio em nome do primado do politicamente correcto, não estarei sozinho a fazer de alfaiate…
São demasiadas as falhas inexplicáveis para podermos fazer de conta, tal como quando vendem a ideia de que o brutal regime chinês atinou de repente, que algo de estranho se passou no seio da comitiva e não se disfarça com uma ou outra honrosa excepção.
Tal como acontece nos sucessivos desgostos que os nossos futebolistas nos dão em provas quase amadoras como os jogos de apuramento para fases finais das competições ao serviço das cores nacionais, nos antípodas do seu brilho nas eliminatórias da Liga dos Campeões ao serviço dos clubes que os enriquecem (lembram-se de Saltillo e do que esteve na origem da bronca em causa?), a acusação amarga que leio nas palavras de Vanessa Fernandes e de Rosa Mota, duas senhoras do desporto mundial, deixa-me convicto de que a falta de brio e de patriotismo dos nossos atletas é a mesma que tem conduzido todo um país a uma situação paupérrima.
Representar uma Pátria, seja no que for, seja onde for, é algo que deveria sobrepor-se de forma espontânea a qualquer factor de perturbação. É quase um doping legítimo para cada um dar o seu melhor na hora da verdade.
E se não o conseguem por si próprios, ao menos que o fizessem pelos milhões que os endeusam e não merecem este tipo de desconsideração.