Topo logo um artolas (ou um virgem, vai dar quase ao mesmo no caso concreto) quando me vêm com uma daquelas intervenções à garanhão: eu cá gosto é de comê-las por detrás, à canzana. Porreiro, pá.
Cada um/a terá as suas preferências e toda a legitimidade para manifestá-las e até para tentar criar as condições para viabilizá-las na hora da verdade. Contudo, cada um/a é como cada qual e isso implica (no meu entender, que é subjectivo e por isso discutível) que a arte da cena não reside na forma como gostamos de comê-las mas mais na forma como elas gostam de ser comidas e na nossa capacidade para identificar e corresponder a essa expectativa.
Fazer como gostamos é fácil, mas o verdadeiro desafio que nos coloca à prova é precisamente atinar com as preferências da parceira. E isto aplica-se, naturalmente, em sentido contrário se estivermos perante alguém que busca a sintonia que, julgo ser universal, distingue o sexo fantástico de uma simples queca para cumprir calendário.
Essa sintonia, o meu santo Graal nestas coisas, não é fácil de atingir mas é na sua busca que tratamos cada momento como especial.
É uma questão simples, a meu ver. É dar e é receber, é manter uma reserva de concentração e de lucidez que nos permite saborear a descoberta do outro em simultâneo e ajustar o nosso desempenho às características que variam de pessoa para pessoa e de situação para situação.
É o mínimo exigível para se merecer uma intimidade que ao longo de uma vida não oferecemos a tanta gente assim.
Por cima, por baixo ou de lado. É como estiver a dar.
É óbvio que não existem paradigmas da cama, nem regras que não aquelas que a sensibilidade e o bom senso possam impor por inerência. Porém, a questão da atitude é fundamental e, pela minha própria experiência, pode fazer toda a diferença na forma como as coisas acontecem e, por tabela, no peso que lhes atribuiremos na respectiva degustação à posteriori.
E notem que nada do que afirmei até agora descarta a tal canzana ou qualquer outra variante das muitas possíveis, nem tão pouco minimiza a realidade carnal, o impulso animal que podemos libertar na mesma sem enveredarmos pela (im)posição que mais nos satisfaz.
Ainda assim, sinto como uma limitação qualquer tipo de fixação nesta ou naquela abordagem. Sinto que se perde a magia que se instala quando nos percebemos na mesma onda com alguém que, nessas circunstâncias, merece tanto o nosso empenho como o respeito indispensável que se traduz na disponibilidade para agradar sem hierarquias ou desníveis.
Para ir ao encontro do que percebemos, se o quisermos, ser o ponto de convergência de duas formas distintas de sentir e de desejar.
Compartimentar um acto sexual num determinado padrão, cristalizar numa receita confortável, é pura preguiça ou simples falta de imaginação ou de versatilidade. É também um tédio, quando repetimos a dose com alguém. E isto aplica-se a posições como a durações como a quaisquer outros pressupostos que inquinem o prazer tão simples e tão grato de tactearmos com o corpo, com as palavras e até com o olhar a criatura que nos atraiu e por isso já se provou merecedora de todo o nosso enlevo.
A reciprocidade é a única opção.
Eu gosto de viver o sexo assim. Gosto de comer e de ser comido, de ouvir e de sentir e de cheirar e de me deixar seguir com a maré como de produzir a minha ondulação e apreciar o impacto da mesma num corpo disponível para o meu, numa mente tão importante como a minha nos seus devaneios, nas suas fantasias, nos seus apetites instantâneos que não vale a pena tentar adivinhar sequer.
Não somos máquinas, nem bichos. E isso só se comprova na diferença que impomos quando nos despimos para aproveitar os recursos inesgotáveis que a natureza tão generosa nos ofereceu, na tal flexibilidade que nos permita viver de forma intensa e tão gratificante quanto possível uma experiência que, se demasiado egoísta ou negligente, dispensaria a presença de outrem para se realizar.
A reciprocidade é a única opção.
O sexo tem que ser sempre um momento de amizade, de encanto, de espontaneidade, de amor. Tem que ser importante, cultivado, adorado à medida da relevância que assume para qualquer um de nós. Não tem que ser à bruta, nem gentil, nem outra coisa que não a que melhor servir os intervenientes naquela circunstância concreta e em função de cada etapa percorrida antes, durante e mesmo depois de acontecer.
Tem que ser sempre a valer. E eu não acredito que, salvo raras excepções, isso seja possível quando alguém pretende determinar por antecipação o rumo de uma viagem que só entendo inesquecível quando ao longo do caminho lemos a meias o céu e escolhemos ao acaso no firmamento a constelação seguinte a visitar.