Ele é um homem inevitavelmente fragilizado por factores que não tem como controlar, emocionalmente vulnerável por força das suas limitações.
Encontrou na internet uma via de comunicação onde conseguiu equilibrar a parada, impondo-se como o gajo impecável que é sem sentir na pele os efeitos da desvantagem óbvia que, aprendeu ao longo da vida, sempre bastou para lhe condicionar as opções. Não as suas, mas as das outras pessoas, a maioria, que não o viam por detrás do que aparenta.
Acabou por se apaixonar por alguém do outro lado do monitor e do outro lado de um oceano também. Alguém que lhe soube detectar as carências, a insegurança e a vontade indómita de amar e de ser amado sem se deixar intimidar pela fraqueza que só possui aos olhos de outros porque o seu percurso na vida prova-o mais capaz do que muitos dos que não padecem de qualquer obstáculo como os muitos que o vi ultrapassar.
Contudo, essa paixão que agarrou com a coragem de um lutador e a necessidade de quem distingue em cada oportunidade uma hipótese de vencer outra batalha numa guerra sem quartel parece estar a conduzi-lo por um rumo perigoso. Aos poucos, cada um de nós, os de fora, percebemos pelos passos arrojados demais a possível hipoteca de tudo quanto anteriormente conquistou.
O sonho que abraçou, o seu, submeteu-se aos sonhos (talvez delírios) que a sua apaixonada teria em carteira por concretizar e passo a passo foi abdicando da segurança financeira e da estabilidade profissional que a muito custo construiu e agora se prepara para investir, às cegas, num projecto megalómano que nunca seria o seu. Numa aventura disparatada e completamente subordinada à fantasia sem nexo da escolhida ou a algo que poderá nem passar de um pretexto para lhe parasitar tudo quanto juntou.
É impossível prever o que virá a acontecer depois de concluída a transferência dos recursos que paulatinamente ele tem cedido para financiar a utopia dela e, em simultâneo, talvez a sua. Mas os contornos da situação permitem antever o desfecho pior, no plano financeiro e nos restantes também.
E é aqui que um amigo se sente refém de um brilho no olhar que nos desarma, que nos impede de dizer aquilo que parece tão óbvio e poderia mesmo poupar um desgosto brutal e um trambolhão difícil de superar, senão impossível para alguém que já não é um jovem e possui, como referi, um calcanhar de Aquiles que num mundo perfeito não o seria.
Não se questiona impunemente uma paixão, levantando dúvidas e receios que inevitavelmente a conspurcam, sobretudo quando está em causa uma entrega total (e se calhar justificada pelas circunstâncias) sustentada numa fé inabalável que ninguém no seu juizo perfeito pode beliscar de forma leviana.
O risco imenso, no caso concreto, até pode constituir um preço baixo a pagar pela concretização de um sonho difícil de ambicionar para qualquer um/a. E constitui um direito inalienável de qualquer pessoa, muito acima dos deveres relativos que nós, os de fora, talvez não tenhamos sequer legitimidade para sobrepor correndo o risco bem pior de estarmos errados nas nossas previsões e de destruirmos assim, por outra via, a frágil estrutura emocional de uma pessoa cujo encantamento se lê no sorriso rasgado e no entusiasmo do discurso quando fala dos projectos agora comuns ao casal.
Por isso acabo por aceitar que não me compete a mim, ou seja a quem for, optar pela interferência ainda que bem intencionada ou mesmo justificada pela análise racional do problema.
Compete-me sim, manter-me disponível para partilhar a felicidade que agora transpira e, acima de tudo, para quando (e se) as coisas correrem tão mal quanto receio, ser alguém com quem ele possa contar para reunir as forças necessárias para combates ainda mais complexos do que os muitos que enfrentou até esta altura.
Esta conclusão aparentemente simples que convosco partilho traduz-se num desabafo pela sensação de impotência pelo silêncio que me impõe este dilema que, afinal, faz parte dos que derivam de qualquer relação de amizade.
E por muito que nos doa aceitar as coisas desta forma, jamais uma amizade poderá falar mais alto do que o grito ensurdecedor que sempre emana de uma paixão descontrolada ou do poder absoluto, da tirania necessariamente irracional, insana, de um grande amor.