Nem tudo como parece. Faz-se de conta que é assim porque às vezes convém ou apenas porque se tem a certeza de nada haver a fazer para mudar.
Faz-se de conta que sim ou antes pelo contrário, disfarça-se o impossível nas entrelinhas de um sonho ou destapa-se um pouco a máscara para desviar as atenções.
Este nosso mundo que não admite ilusões ou mesmo falsas expectativas, implacável na sua ausência de qualquer forma de clemência para com os poetas e os sonhadores, para com todos os perdedores naufragados na tempestade derradeira de uma utopia qualquer.
Seja o desejo por uma mulher inalcançável ou a ambição de uma vida melhor, a visão de uma ideologia acreditada que se veja um dia concretizada.
Ou em troca apenas mais uma desilusão.
O silêncio necessário para nos pouparmos à tristeza também, aquela que sempre advém da denúncia dos excessos que se escapam e acabam por torpedear os segredos no fundo guardados cujos estilhaços se expõem à superfície de qualquer olhar menos condescendente para com as fraquezas, imperdoáveis, seja de quem for.
O amordaçar de um amor ou apenas de um apelo carnal que se desenvolve como musgo no arvoredo remoto, na floresta do medo onde a sinceridade se perdeu.
E parece que morreu, às tantas, perdida no meio das palavras por dizer e das coisas por acontecer que se choram tarde demais, esquecida pela sua família de valores entretanto moldados aos sabores em voga na gastronomia das relações.
A solidão relativa que se sobrepõe a tudo mais, desconfiança. O sim para sempre adiado ou o não muito despachado quando se esgota o prazo do confortável talvez.
Faz-se de conta que é mesmo melhor assim, a frustração de antecipar o fim antes que algo de diferente ou quase extravagante possa começar.
A cobardia que ocupa o sofá de uma preguiça instalada na falsa sensação de segurança que o alheamento nos dá.
A vida que se escoa por entre os pingos de chuva que driblamos com a mesma perícia com que se foge com o rosto ao sol.
A troca piedosa da mentira por um sofisticado sistema baseado em falsos pressupostos e omissões.
Faz-se de conta, nem tudo parece.
E às vezes é...