Sonhei que tinha chegado ao poder em Portugal um gajo linha dura, daqueles que às vezes despontam na assembleia de condóminos quando está tudo aos berros sem decidir nada e diz “faz-se assim porque é o que a lei determina, o que o bom senso recomenda e o que mais beneficia os interesses do colectivo” e toda a gente amocha e a partir daí é ele quem manda no edifício.
Então o gajo do poder, no sonho, não pertence a qualquer partido mas a um movimento organizado de cidadãos e mal abanca no seu posto de trabalho começa a chamar Ministros e Secretários de Estado um a um e a retirar-lhes as mordomias excessivas, “para dar o exemplo”, e a impor-lhes a terrível angústia de auferirem um salário mais baixo do que no privado mas mais alto do que a esmagadora maioria dos compatriotas junto dos quais poderão recolher dividendos em orgulho de servir uma Causa Pública, uma Pátria, para compensar aquilo que perdem nas regalias sem nexo.
E depois esse gajo no poder incumbe os seus assessores (uma dúzia deles) de lhe fazer chegar à mesa um dossier detalhado acerca de cada um dos organismos do Estado cuja despesa em coisa supérfluas ultrapasse escandalosamente a média apurada para o funcionamento de organismos análogos em Portugal e em dois ou três outros países mais eficientes no controlo da despesa pública. Directores demitidos sem apelo nem indemnizações chorudas, embaraçados publicamente com a exposição dos seus despautérios caso vão para os jornais armados em gabirus. E nomeados os melhores naquela área específica, sem critérios partidários, ou melhor, sem outros critérios que não o do reconhecimento unânime da sua competência e subordinados a novas regras escrupulosas de controlo de custos e de avaliação periódica de desempenho.
A seguir, nesse meu sonho, o gajo no poder vira-se para os privados que comprovadamente abusem de situações de monopólio, que descaradamente pratiquem uma política de preços concertados e acaba-lhes a festa por via legislativa, aproveitando para endurecer de forma drástica as coimas ligadas a práticas incorrectas ou imorais, nomeadamente as mais poluidoras, e pressionando no sentido de o Código Penal prever pena de prisão efectiva para qualquer gestor público ou privado condenado por desvio de fundos, fuga ao fisco ou qualquer outro crime passível de afectar a confiança dos consumidores (com especial incidência nos sectores da saúde e da alimentação).
A corrupção passa a ser combatida como uma ameaça terrorista, com mão pesada da Justiça para os seus principais mentores.
E depois de dar o exemplo começando por cima, o gajo no poder que sonhei, apela aos cidadãos para o facto de um país não passar de um gigantesco edifício onde a balda de uns acaba sempre por lesar os interesses e o património dos outros e de como isso em última análise conduz à decadência de toda uma nação entregue à pilhagem generalizada e à bandalheira instituída pelos maus hábitos do passado, tentando motivar a população para alinhar numa reviravolta histórica que poderá conduzir o país a uma situação confortável e mesmo invejável por comparação com outros parceiros do mesmo campeonato no grande desafio europeu e mesmo mundial.
Aponta a defesa do ambiente como uma causa nacional prioritária, propõe condições para atrair os mais importantes centros de investigação científica internacionais e assume a Saúde e a Educação como principais centros da atenção do Estado, tentando envolver os privados sem com isso descartar a responsabilidade do seu Governo na eficácia do sistema e na universalidade da sua aplicação.
Mas o meu sonho não teve um final feliz. Acabou precisamente a meio desse discurso emotivo em que o tal gajo no poder electrizava milhares de pessoas com a sua capacidade de mobilização, num comício público, quando acordei assustado com o estampido do tiro com que alguém a soldo de outrem o executou de forma sumária.