Às tantas já rezava para que não lhe retirassem da boca a cavilha de uma granada feita de palavras prontas a explodir.
O olhar parecia suplicar clemência enquanto perdia a paciência por detrás, onde se distinguia com clareza o dedo no gatilho e a alma prestes a disparar.
Entretanto a face ia mudando de cor pelo esforço da mente em controlar o inconsciente dentro de si que já partia toda a louça interior, escaqueirada pela demência que lhe berrava a imprudência que tentava por fora evitar.
Nuvens cinzentas pairavam como abutres sobre a cabeça da tempestade em formação no vórtice do furacão que a revolta soprava, endiabrada, das entranhas daquela figura de pessoa encurralada no canto de uma jaula, animal ferido, tão imaginária como a revolução que acontecia descontrolada mas ainda longe da vista do poder.
A bronca quase a acontecer, presa apenas por arames que o gume afiado das provocações enfraquecia enquanto o seu rosto se contraía nas expressões visíveis de tudo daquilo que já mal conseguia conter.
A contagem decrescente a acontecer imparável numa avalancha de números que se sobrepunham ao tiquetaque do relógio, rastilho curto, instalado junto ao detonador e o punho cerrado cada vez mais à mercê da pressão que anunciava o pior. Menos tempo para o fatídico momento, o ponto de viragem da situação em seu desabono.
Era cão que não conhecia o dono, fauces escancaradas para a ameaça cuja essência se preparava para assumir. Enervado, saturado, incapaz de reagir com a ponderação que lhe exigia o bom senso arrasado pela insensatez do oponente que assim corporizava todos os males do mundo de que se queixava até chegar ao momento fatal.
Ninguém contava com aquela reacção. A fúria de um leão aterrada de repente no meio de uma sala cheia de gente incauta o bastante para empurrar a fera para um beco sem saída, armadilha, de onde afinal apenas ele acabaria por sair, a correr, para jamais alguém o encontrar, enlouquecido algures, perdido no mundo, dentro de um poço sem fundo, paralisado por uma camisa de forças virtual.