PRÍNCIPEÃO
A Rainha concentrou em mim o olhar e percebi de imediato o sarilho que se preparava.
Sem escapatória, entendi por bem devolver-lhe um ar de desafio que me pareceu fazer nascer um sorriso trocista naquele rosto de amazona. E ela começou a avançar, elegante, poderosa, a multidão imóvel a assistir impotente ao que parecia evidente, game over para mim, peão branco atrevido no seu posto na última linha de defesa do Rei.
E ela como que flutuava um pouco acima do chão, caminhando na minha direcção. Matadora.
Todos sabíamos o que de errado envolvia aquele movimento, contra natura, mas apelei a toda a minha bravura quando me preparei para a enfrentar.
Não arredei pé do meu lugar, mesmo quando os olhos incendiários de Sua Alteza já quase tocavam os meus.
O desfecho da jogada desvendou-se quando um dos Bispos se benzeu.
E quando finalmente ela me comeu, ao alcance da vista de El-Rei percebi que sem querer quase o matei de desgosto.
Uma espécie de xeque-mate no seu rosto, eu nada podia fazer, tinha mesmo que me deixar comer pela guerreira de sangue azul que me encurralou com o seu olhar majestoso.
Nenhum peão conseguiria escapar a tal adversária assim, isso não causou espanto.
A bronca é que aquela Rainha trajava de branco, como eu, naquele festim debochado e acabei renegado por aceitar o seu desejo primeiro e o seu amor logo depois.
Abandonei o tabuleiro com o estatuto de traidor, mas ela acompanhou-me na debandada, a minha amante enamorada.
E seríamos para sempre (ou pelo menos naquele instante) felizes os dois.