Assisti à agonia do clube do meu Bairro do Charquinho, nascido da euforia de uma população acabada de viver aquele Abril, dessa força colectiva que originou muitas coisas bonitas que entretanto sucumbiram à erva daninha do individualismo que remete para o casulo as pessoas que constituem a energia vital de qualquer projecto.
Depois de se transcender, num Bairro que não primava pela abastança, em realizações que hoje nem os grandes clubes se predispõem a concretizar, o clube começou a definhar quando os mais capazes foram sendo substituídos pelos que tomavam por seu aquele território, a malta do costume, os que espantam com arruaças todos aqueles que os privam do acesso à “utilidade pública” para criarem tabernas de baixo custo.
Sempre que observo o meu Benfica com mais atenção reconheço-lhe diversos indicadores da mesma desorientação que se sucedeu à debandada das pessoas tidas por mais sérias e empenhadas do clube do meu Bairro natal.
As assembleias de sócios aos berros, ou mesmo com cenas de violência protagonizadas pelos primatas que se ambicionam vedetas sem mérito algum, foram o primeiro sinal público da transformação do Benfica num feudo de arruaceiros, novos-ricos e patos bravos da construção civil.
Os maus resultados desportivos tinham sido o prenúncio mudo dessa degeneração que afastou nomes sonantes, o equivalente aos “barões” do PSD.
E em meia dúzia de anos o SLB converteu-se num transatlântico desgovernado à mercê de incapazes que se provam indignos do estatuto que (ainda) conferem os cargos importantes na agremiação.
Pró ano é que é…
A gestão de curto prazo, típica de quem não possui visão estratégica ou noção da realidade de um grande clube europeu, foi amarrando o Benfica a compromissos paupérrimos perante as organizações externas que se aproveitaram dos sucessivos momentos de aflição, nomeadamente nos acordos relativos às transmissões televisivas (um baluarte das finanças de qualquer clube de dimensão apreciável).
Os fracassos sucessivos no plano desportivo, com equipas renovadas a cada época sob critérios que os resultados não conseguem desmentir na inépcia, foram a causa e a consequência de tudo quanto de mau aconteceu nos últimos anos nos bastidores do clube.
É indisfarçável o declínio e talvez já seja tarde demais para o inverter, pelo menos nos próximos anos.
Aos poucos coloca-se perante os benfiquistas o dilema de aceitarem uma opção corajosa: a de abdicarem das glórias (dos títulos) como o alvo principal durante o tempo necessário para o saneamento desta gentalha que está a fazer no Benfica o mesmo que conduziu ao fim do clube do meu Bairro (algo de impensável para quem o viu nascer e participou por dentro na sua evolução).
Isso mais um dirigente com pulso de ferro, intransigente na defesa do Glorioso e sem quaisquer outras prioridades (a projecção pessoal, por exemplo) na sua missão e que expulse da organização todos quantos não a sirvam como deve ser.
Quando passo no local onde a sede do clube do meu Charquinho deu lugar a (mais um) bloco de apartamentos olho adiante e vejo o novo estádio da Luz encravado no meio das várias urbanizações nascidas nos terrenos que a gestão desastrada das últimas décadas desbaratou não consigo reprimir um ligeiro arrepio.
É que mais cedo ou mais tarde o mercado imobiliário vai recuperar a sua pujança e aquela zona da capital será sempre alvo da cobiça na panelinha que reúne autarcas, especuladores imobiliários e construtores em negociatas que em nada têm em conta os interesses colectivos daquele que, estatisticamente, até pode bem ser o seu “clube do coração”…