Podem ser as complicadinhas também.
São incontáveis os pormenores que nos distinguem de cada um dos outros com que lidamos por força de uma actividade humana qualquer, para lá das diferenças inerentes ao género ou à condição social.
Falo daqueles traços que nos acompanham ao longo da vida, desde pequenos, como sermos meticulosos ou não. Eu faço parte do grupo do não neste particular e se isso não constitui razão para me envaidecer, nasceu por si, também não me envergonha.
Consigo entender (ou pelo menos pactuar com) a natural aversão de quem dobra cuidadosamente o seu pijama e exige os trocos ajustados ao cêntimo a gajos baldas como eu. Por baldas entenda-se a falta de pachorra para os números à direita da vírgula, para as pequenas arestas, para o excesso de rigor.
E gostava que essas pessoas diferentes de mim conseguissem colocar-se neste lado da questão e entendessem (ou pelo menos pactuassem com) esta forma de estar na vida sem a enfrentarem como uma aberração.
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Quando tudo serve para atrapalhar
Claro que isto não passa de uma utopia das pequenas, um sonho impossível de concretizar, mas eu aprecio discutir estas pequenas fontes de divergência que, todas somadas, podem transformar num inferno até a nossa vida sexual.
Calculo que tenha acabado de prender um nadinha mais a atenção de quem leu até aqui, pois qualquer assunto assume outras proporções quando envolve essa questão, e vou por isso prosseguir nesta linha.
Naturalmente, disponho apenas de contacto com o lado feminino da coisa, de como elas podem dar cabo de um bom momento potencial quando arrastam para a cama, entre outras ainda mais castradoras, essa tendência inata para a complicação.
Pode manifestar-se de milhentas formas, o excesso de zelo das complicadinhas do quinto que às vezes deita tudo a perder.
É que são tantas e tão diversificadas as barreiras levantadas por isto ou por aquilo que um gajo chega ao ponto de lhes questionar a motivação.
Porque a luz embaraça ou porque o escuro intimida. Porque rangem as molas do colchão ou porque é afoita demais essa mão por debaixo dos lençóis.
Também pode ser porque primeiro deve cumprir-se determinado ritual ou porque certa posição deve ser deixada para o fim. Porque as unhas estão muito compridas ou porque fazem impressão tão roídas, porque sim ou porque não.
É um catálogo infindável de detalhes para afinação no sentido de tudo jogar certo, seja a cor dos cortinados ou os momentos adequados para atinarem perfeitos com um dado padrão.
O tal rigor que se impõem essas pessoas diferentes de mim, nada impulsivas, calculistas, e que estendem aos outros (por norma), sem espaço de manobra concedido para os baldas por instinto que não faltam por aí, num povo de brandos costumes, habituado ao “desenrascanço” e quase sempre num improviso malabarista de última hora…
A espontaneidade acaba sempre sacrificada neste tipo de equação. E é essa a perda mais trágica das várias que a minha visão simplista (não renego, contudo, os meus mecanismos de “filtragem” – que todos temos alguns) identifica nas relações entre pessoas nos extremos de uma escala imaginária que abarca desde a complexidade paralisante ao vale tudo menos tirar olhos que possa definir a atitude de cada um de nós.
Mas este é apenas o meu lado da barricada. Subjectivo sem apelo, que nisto do sexo dos anjos ninguém consegue prevalecer na argumentação.
As verdades absolutas, inquestionáveis, só podem provir de raciocínios rigorosos e lineares.
E eu, como é sabido, concluo quase sempre pela lógica mais falível.
Aquela que oscila nos altos e baixos de uma personalidade instável a bordo de um carrinho de choques mal adaptado à montanha russa da intuição.