Fechou a porta atrás de si e ainda tentou desesperadamente travá-la quando se lembrou de repente da chave que esqueceu.
Esforço inglório, a porta fechou.
Entrou no elevador disposto a partir para outra, determinado a esquecer uma porta que mais tarde alguém trataria de abrir. E o elevador a parar, encravado. E ele a praguejar, encurralado pela vida numa coincidência das que todos evitamos, dedo no alarme sem abrandar a pressão.
A mesma que sentia enquanto se debatia com o melhor procedimento a adoptar, enquanto tentava racionalizar aquele momento sem sucesso algum.
Os nervos em franja quando do condomínio lhe enviaram o anjo salvador na pessoa do administrador que o libertou daquela condição deplorável.
A corrida pelo patamar fora, atrasado e o lugar do carro tão esquecido como a chave de casa no seu interior.
E a do carro também, como entretanto concluiu, com a mala entalada entre as pernas e as duas mãos desesperadas aos apalpões nos bolsos cheios de esperança mas sem sinal de milagre a acontecer.
Os vizinhos todos a verem das suas janelas, gente cusca, a triste figura de um homem apeado que se veio a saber desempregado quando finalmente chegou ao escritório, tarde demais pela última vez.
Chorou na casa de banho o seu revés e depois arrumou a secretária, altivo, enquanto pensava “sobrevivo a este dia que parece não acabar”. Os antigos colegas a virarem a cara para outro lado, cada um mais ocupado do que o anterior.
A despedida sem emoção com a entrega do cartão de ponto malvado que o denunciou.
A rua pejada de gente e ele tão sozinho na multidão, desorientado.
Apenas um homem num dia azarado, perdido no coração da enorme cidade que, com toda a naturalidade, o ignorou.