O Tibete faz menos parte da China do que Macau fazia parte de Portugal. É que de Macau ainda podemos invocar os séculos que durou o estatuto artificial de território nacional, mesmo constatando agora que pouco ou nada conseguimos lá deixar que se possa considerar como efeito da influência portuga.
As marcas da passagem dos portugueses por aquele território resumem-se às ruínas de meia dúzia de construções e a um escasso punhado de gente que apesar dos olhos em bico tem apelido português e até sabe falal mais ou menos a nossa língua.
Contudo, quando chegou a hora de amochar (seguindo o exemplo dos britânicos com o seu enclave de Hong Kong) devolvemos Macau aos chineses com o rabinho entre as pernas e até se fez alarde da cena como um exemplo da maturidade que as relações diplomáticas exigem nestes dias em que Angola não é nossa e o Congo belga até mudou de nome.
Nada a obstar quanto a isso, pois é claro que se trata de um processo histórico inevitável e o patriotismo não se exibe pela reclamação de territórios a milhares de quilómetros da casa-mãe. Olivença, por exemplo, até fica mesmo aqui ao lado e a malta encolhe os ombros…
Mas o Tibete, apesar de paredes-meias com o grande papão amarelo, pouco ou nada tem a ver com a nação invasora e disso dá conta o seu povo que se faz imolar nas ruas às mãos dos soldados que impõem à bruta o domínio chinês em vez de, por exemplo, virem para Portugal abrir restaurantes ou lojas dos tlezentos que lixam muito mais o chamado comércio tradicional do que as grandes superfícies abertas aos domingos mas ao menos não matam nem oprimem pessoas.
Isto tudo para manifestar a minha estranheza perante a prontidão com que os governos do Reino Unido e de Portugal afastaram a hipótese de qualquer tipo de boicote às Olimpíadas com que a República Popular da China desviará as atenções dos seus muitos atropelos aos direitos humanos dentro e fora de portas.
No mínimo, estranha-se a celeridade de uma tomada de posição quando ainda não passou assim tanto tempo relativamente às Olimpíadas de Moscovo, não sei se estão a ver o paralelo…
As tibestas, como apelido a China invasora, são vitais para evitar que o sistema financeiro capitalista se devore a si mesmo por falta de espaço para crescer. Só isso justifica a hipocrisia dos Estados que fecham os olhos e até alinham na dança perante os Iraques, os Tibetes e outros países que parecem valer menos aos olhos dos britânicos, por exemplo, do que as Polónias e as Checoslováquias que os arrastaram para uma guerra mundial pelo mesmo motivo (serem invadidas pela força por potências vizinhas).
Só muda o facto de no Iraque haver petróleo e de no Tibete haver apenas uma cultura milenar que os chineses destroem aos poucos para quebrarem a espinha da resistência de um povo que nem um boicotezinho justifica. É isso que explica a passividade (eu chamo-lhe cumplicidade) destes países onde o expansionismo capitalista os verga a todas as barbáries e injustiças que gerações atrás serviam de mote para pegar em armas contra os malvados usurpadores em que hoje até se transformam, se estiver em perigo a sustentabilidade da máquina que nos trucida quando deixamos de a servir.
E há dias em que não me deitam serradura suficiente para os olhos.
Em que me sinto menos instalado no conforto proporcionado aos que se disponibilizam a fazer de conta que valores mais altos se podem erguer e nos forçam a ceder perante a ignomínia, onde quer que ela aconteça, sob o fraco pretexto que só nos envergonha.