Apenas o silêncio cortado a espaços pelo rastejar de uma cobra no meio das ervas, ou seria o som da sua própria atitude que a mente descodificava como uma vergonha que rastejava mesmo ao lado, de raspão pelo passado, do seu corpo entregue ao flagelo do frio.
Era o que ouvia para lá do seu vazio por preencher.
Olhava o céu sem o ver, cego de nascença num ponto da consciência que lhe obliterava a perspectiva e o forçava a enfrentar o nevoeiro sem a mais pequena noção de um rumo, da direcção adequada para o local que procurava sem saber como nem porquê.
Tudo aquilo que alguém vê na escuridão de um espaço interior.
Oco como a mente de um louco condenado a prisão perpétua numa cela forrada a papel de lucidez.
Via apenas um momento parado de vez, num ponto fixo do tempo, uma imagem repetida até à exaustão que sentia como um chicote, uma punição, nas costas do arrependimento e no rosto enrugado que servia de leito às lágrimas que vertia quando ainda sabia chorar.
Apenas o cheiro dos cabelos, fragrância de saudade arrastada desde um local remoto na sua memória bloqueada como se estivesse blindada contra a tarefa inglória de a apagar.
O vento que a soprava contra si, lá dentro, contra as paredes de um cérebro empedernido como um rochedo, enfrentando a força colossal da rebentação.
Ondas eléctricas, lembranças, apenas vagas semelhanças entre o caminho antes percorrido e o trilho sem norte que o conduzira, sem sorte, até um ponto de saturação.
O grito lançado como um pombo-correio desorientado contra as copas das árvores onde a mensagem se perdia por entre a folhagem que jamais reagia à fúria que sentia, como ele, quando a voz lhe tocava a pele em suaves acordes da brisa que fingia nem o ouvir.
Depois apenas o silêncio cortado a espaços pelo longínquo rumor de palavras cheias de amor que a mente descodificava como um último beijo antes de adormecer.
Foi esse o último som que escutou.
Na alvorada do dia em que a sua alma beijada finalmente despertou.