A vida que não pára de acontecer no ecrã do olhar com que a projectamos nos bastidores da consciência, ao livre arbítrio da percepção.
A atitude da mulher muito produzida, declaradamente vestida para a arte da sedução, clandestina no telefone público enquanto atende o telemóvel com a outra mão. Fugida de uma realidade que lhe estagna a vontade, proibida de assumir o apelo interior para exigir o amor fatal que a arrasta por uma existência com algo de intenso, de indispensável e contudo marginal.
O desespero no homem apanhado de surpresa pelas palavras escritas numa folha de papel. A expressão no rosto de quem não esconde o desgosto, a folha amarrotada para dentro de um bolso enquanto se prepara para abandonar a mesa do café. O olhar de relance para os dois extremos da rua, dois caminhos possíveis para passear a desorientação. A caminhada para outro lugar, uma distância percorrida que de alguma forma consiga afastar o corpo e o pensamento do choque tão violento que parece fazê-lo alucinar.
A jovem na janela, sorridente. Abraçado por detrás o amante à barriga crescente de esperança na vida que um grande amor concebeu. Observam a dois o céu tão azul que o sopro do vento limpou entretanto das nuvens e dos medos e de tudo quanto os possa impedir do direito a usufruir da felicidade em estado puro.
A silhueta por detrás da cortina da janela que fechou, à espreita, alguém que me imagina personagem do filme feito à medida de cada realizador. A história imaginada a partir de um pormenor da versão observada por olhares alheios à minha interpretação. Avatares do que somos na imagem parcial do que damos a ver.