Foto: SharkAnunciado com pompa e circunstância à data da sua inauguração como um autêntico condomínio de luxo para defuntos, um modelo a seguir que quase embaraçava os restantes, o cemitério de Carnide volta à berlinda pelas piores razões.Em causa está mais um disparate colossal (e dispendioso, a vários níveis) de decisores e de executores a quem confiamos a gestão dos recursos que, na prática, lhes oferecemos de bandeja por via fiscal.
De acordo com o LNEC, o terreno escolhido para última morada de uma parte dos lisboetas não serve para o efeito e a prova visível é o facto de a deterioração dos corpos não acontecer como seria expectável.
Além disso, o LNEC acrescenta à asneira mais umas quantas (as do costume) ligadas ao deficiente sistema de drenagem e às consequências do depósito de entulho das obras do Metro (que alguma inteligência rara entendeu por bem sepultar no perímetro).
Daí resulta que depois de ter ficado reduzido a menos de meia dúzia de funerais por ano, com consequentes prejuízos para quem investiu no comércio ali instalado com a Câmara por senhoria, o cemitério modelo alfacinha prepara-se para executar acções de despejo a sete mil dos seus ocupantes.
Sete mil trasladações com tudo o que isso implica de tempo, de esforço, de custo e de perturbação para os vivos (que os mortos não se devem ralar
).
Para além dos contornos da situação, que é de morrer a rir (e perdoem-me o humor negro que só nos pode arrancar um sorriso amarelo), salta à vista a bagunça reinante e a tradicional impunidade de todos quantos chancelaram mais este prego no caixão da imagem da autarquia lisboeta. E das suas depauperadas finanças.
Contudo, nem é a questão financeira a de maior relevância neste assunto. Enquanto estas negligências grosseiras que desmascaram a incompetência dos técnicos e responsáveis envolvidos não for devidamente punida, nomeadamente impedindo essas múmias andantes de repetirem a proeza no futuro, estaremos a permitir que continuem a cavar sepulturas do mesmo género noutras obras camarárias com o beneplácito de quem os sustenta.
Estaremos, no fundo, a abrir as portas a repetições de tragédias como a de Entre-os-Rios, outro bom exemplo de como a culpa nestas coisas morre sempre solteira.
E o problema, sobretudo ao ritmo a que a cidade de Lisboa acumula cadáveres nesta vaga criminosa, é que qualquer dia não teremos onde enterrá-la.