Seguia sozinho. Percorria aquele caminho embrulhado num manto de silêncio que lhe garantia a necessária solidão.
Só buscava a introspecção, isolado das influências perniciosas do exterior. Buscava explicações subjectivas para contrariar as agressões, como as percebia, de quem não sabia mas arriscava interpretar os sinais.
Seguia sozinho. Decidia o seu destino blindado por uma armadura de metal que lhe inspirava confiança, que transmitia a ilusão de uma segurança que procurava com afinco, como um santo graal.
Só buscava o antídoto para um mal, o mesmo que o obrigava a vasculhar no interior daquele mar profundo que o afogava em ideias, sensações, receio das emoções afiadas como lâminas desastradas que escanhoavam sem tino as ervas daninhas que lhe cresciam na pele. A do rosto diante do espelho que reflectia no sangue que agora escorria a dor inexplicável que urgia combater.
Sentia o peito doer, enfartado pelo mergulho exagerado no inferno interior. Sozinho, percorria aquele caminho resguardado dos reforços que atraía com a sua propensão suicidária para uma relação (sempre precária) com o lado de fora da fronteira que agora traçara no seu equador.
Uma fronteira imaginária com sentinelas de brincar.
Sentia o peito arfar, extenuado pela sucessão de batalhas entre o coração e a consciência, a razão e a demência, os inimigos que se revelavam aos poucos na fragilidade de cada aliança, nas ligações de conveniência que sucumbiam à pressão de factores que qualquer guerra distorce no meio da confusão.
Só buscava a salvação, a mesma que fugia de cada vez que se envolvia na peleja quando lhe invadia o território um novo micróbio conquistador.
Adoecia sozinho, vagueava pelo caminho em busca do antibiótico exterminador para os excessos do amor traiçoeiro. Um médico ou um enfermeiro especialistas no tratamento das maleitas associadas ao conflito armado entre um guerreiro fragilizado e os monstros que o perseguiam no seu campo de batalha privado, esquizofrénico, bipolar.
Escavava trincheiras no seu lado da barricada, procurava refúgio no ventre da terra para escapar à rebentação das bombas fingidas, das ondas explodidas contra a rocha firme, paliçada, a sua certeza firmada nos espaços concedidos pela insanidade à lucidez.
Depois erguia-se outra vez, desarmado na aparência, artilhado na consciência com o resultado das suas conclusões. Detective privado, seguia isolado as pistas que lhe deixavam nos rastos da passagem ao longo da sua viagem. Agente secreto, avançava discreto pela penumbra que iluminava a cada código que decifrava quando surgia na escuridão a sombra difusa de outro espião.
Paciente curado, o enigma desmascarado na sua simplicidade confrangedora de romance de cordel.
E na cumplicidade amadora dos seus demónios de papel.