É curiosa a convergência de reacções dos principais partidos políticos às declarações do novo Bastonário da Ordem dos Advogados, a propósito da classe política e dos sinais de alerta que são voz corrente na opinião pública. António Marinho não disse mais do que tempos atrás saiu da boca de alguém ligado à Procuradoria-Geral da República e a vida real vai confirmando penosamente nos jornais e no quotidiano da população. No entanto, em uníssono, as virgens ofendidas saltaram de imediato dos seus feudos cor-de-rosa e exigem um inquérito. Um inquérito, já!
Aos olhos de quem está de fora, esta súbita exigência de justiça, de esclarecimento das acusações implícitas nas palavras de quem se limitou a chover no molhado, soa tão farsante que parece talhada à medida para o Entrudo que se aproxima. O tom das reacções dos figurões que deram a cara pelos seus clubes privados, alegadamente justificadas pela relevância das declarações por provirem do Bastonário, denuncia a sua vontade de fazerem a folha a quem falou demais e está mesmo a jeito para servir de exemplo e, em simultâneo, constituir (no falhanço inevitável e costumeiro do elemento de prova) mais um argumento da classe política em abono da integridade que não consegue alardear onde e como interessa ao país.
Ou seja, ao tentarem atrair António Marinho à cilada das perguntas sem resposta possível que o possam cobrir de descrédito, exigindo nomes e factos para consubstanciar as suas declarações, pretendem apenas punir um incómodo desbocado que antes muitos amargos de boca lhes tinha dado durante o seu tempo de antena enquanto comentador de noticiários televisivos. Isto porque, e como António Marinho argumenta, o facto de denunciar o tráfico de droga que é uma realidade no país não obriga seja quem for a fornecer os nomes e as moradas de todos os traficantes e consumidores.
E tem razão, o Bastonário, e só não vê quem não quiser quais são as motivações da classe política ao chamarem à pedra alguém que disse o que toda a gente já percebeu à sua custa e do país que os fenómenos por ele mencionados destroem aos poucos. Estranho também a prontidão na exigência de explicações, de apuramento de responsabilidades, de vontade irreprimível de defender o bom nome de um grupo que possui mais meios do que qualquer outro para o fazer. Na praça pública, nos órgãos do poder que ocupam e onde poderiam provar-se incorruptíveis, inexcedíveis, tão intocáveis como pretendem agora mascarar-se nesta paródia, mais uma, no âmbito do Carnaval em que deixaram transformar a vida política portuguesa.
O inquérito exigido servirá apenas como uma panaceia oportunista para as muitas mazelas que saltam a público pelo desmazelo de alguns ébrios da impunidade generalizada ou pelos raros sucessos obtidos por quem ainda arrisca investigar o imenso lodaçal que toda a gente vê com os olhos e que por medo, por cumplicidade ou por simples (e perigosa) indiferença ninguém cuida de limpar a fundo como há muito se impõe.
Mas o Carnaval são só três dias. E Portugal são muitos mais.