O som da porta a fechar, pelas costas.A surpresa dentro de uma caixa, embrulhada com fantasia estampada em sorrisos de papel. O vento a soprar nas cortinas da janela como se algo tivesse acabado de fugir por ali, um fantasma. Talvez. Ou a memória de uma aposta falhada na roleta que a vida, endiabrada, vai colocando ao dispor.
A luz apagada no corredor, adiante. Passos firmes que a circunstância não é de vacilar. A paciência tão escassa, de repente a esgotar, no meio da charada provocada pelos erros de interpretação.
Uma vela acesa na mão, promessa adiada, iluminação improvisada, coragem medida na resistência aos pingos liquefeitos de cera tombados na pele. Ou indiferença, talvez.
Outra porta, fechada, dedos suaves na maçaneta, no final do caminho deixado para trás. A lembrança de uma terrível ofensa, reafirmada no silêncio consentâneo com uma cobarde deserção. O medo de falar (demais) e revelar (sempre depois) outras surpresas dentro de caixas, fechadura mudada para esconder do espião traiçoeiro as jóias da família no cofre da reputação.
O fantasma da ingratidão mais o espírito hipócrita, assombrada a sala para lá do umbral. O vento a soprar nas cortinas da janela, outra vez, ao fundo da sala com uma porta entreaberta. A vela apagada e a vontade abandonada de recuar para a escuridão.
O passo adiante em busca de uma luz natural. O brilho da lua logo ali.
O som da porta a fechar, por detrás. A surpresa toda nua, deitada no mais confortável dos sofás, fantasia iluminada pelo reflexo de um olhar. O vento a arrepiar as costas lambidas pelo frio epidérmico que as cortinas da janela não impediram de entrar. O sexo intenso, choque térmico, calor imenso, suor escorrido em gotas sobre a vela apagada tombada no chão.
O olhar pousado noutra porta qualquer, talvez no corpo de uma mulher.
A porta de acesso a uma varanda com vista desafogada para outro vazio interior.