Foto: SharkLi naquela expressão um desespero abafado pelo orgulho de quem não pode nem quer dar o braço a torcer. Por isso calei a minha leitura e poupei aquele homem à chuva no molhado que qualquer palavra acabaria certamente por constituir.
Limitei-me a olhá-lo nos olhos e a dar-lhe conta de que entendia a sua tristeza e a melancolia com que enfrentava em silêncio as agressões levianas, psicológicas, que lhe infligiam por actos, palavras e omissões as pessoas que mais vulnerável o sabiam.
Sentei-me ao seu lado nas rochas e fiquei calado a partilhar o horizonte onde ambos navegávamos o pensamento. Imóveis na contemplação, fugíamos ambos de nós mesmos e do castigo velhaco da malfadada lucidez.
Os factos que nos doíam, reprimidos dessa forma, anestesiados pelo impacto forte de todo aquele azul e do som poderoso do duelo de titãs que a natureza recriava mesmo abaixo dos nossos pés.
A vitória da paciência, milímetros conquistados à bruta pela passagem do tempo simbolizada pelas ondas que fustigavam sem descanso a terra que tão dura parecia e afinal sempre cedia à pancada sistemática de um elemento de aparência tão macia que até as mãos insignificantes de um homem conseguiam moldar.
A força da persistência contra a teimosia da resistência sem sentido algum. A erosão garantida e a terra envergonhada pela soberba que o tempo sempre cuida de desmentir. Os dados adquiridos que acabam por fugir, que se escapam por entre os dedos tão estúpidos como os rochedos que alimentam a ilusão de capturar ou de resistir, a fúria das marés mais o vento e a gravidade que tudo quanto suba devolve ao chão.
O respeito perdido pelo excesso de confiança, o final da esperança concretizado em mais um pedaço de rocha sólida que o mar engoliu, a areia na praia que afinal é o seu pó.
E eu ali tão só, ao lado de outro homem sem vontade de o dizer. Calados os dois até ao momento de alguém decidir que era tempo de partir para outra etapa na luta pela sobrevivência da fé. Missionários sem orientação.
Levantei-me então e sem me despedir voltei as costas à água que espelhava o céu mais a minha silhueta minúscula, sozinha naquele paredão.