Instalou-se um silêncio expectante na casinha de madeira do casal Nicolau e Natália quando o Espírito do Quadro se pronunciou.JC, por seu lado, parecia algo alheado da questão. Como se soubesse por antecipação o que se seguiria. E isso nem espantaria ninguém
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Trago-vos a Boa Nova! anunciou o Espírito com voz solene.
O Nicolau bem precisava, coitado. E até bastava ser nova
. JC pensou mas não disse.
E o Espírito prosseguiu com a sua revelação (que por questões ligadas ao Direito Canónico não podem ser expostas num blogue herético), na essência destinada a explicar porque o seu papel no conto consistia apenas em justificar-lhe o fim apressado que o aproximar da meia-noite de dia 25 recomendava.
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Mas não vamos transformar-nos em abóboras, pois não?Um chiu em uníssono soou na sala quando Nicolau, completamente xexé, abriu a boca para soltar os disparates do costume.
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Não, amigo. Vamos transformar-nos em lixo informático, perdidos nos arquivos mortos de um blogue qualquer. esclareceu o Espírito, tranquilizador.
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Isso quer dizer que ninguém vai ler esta merda e tudo não passou de um pesadelo saído da mente de um filisteu moderno?-
Sim, Natália. Assim consta no que está escrito.-
No que se está a escrever
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Sim, mas quando alguém ler já terá acontecido
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Mas enquanto personagem da história não tenho nada a ver com isso. Neste instante ainda não está escrito e por isso não vejo como se justificam de forma lógica essas palavras.O Espírito já bufava.
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Certo, Natália. Mas a única forma de fazer sentido a minha aparição é justificá-la com a minha omnisciência
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Atão mas o omnisciente não é o puto? Não é o Pai dele que está em todo o lado e tal? E tu, desculpa que te diga, és ainda mais absurdo enquanto personagem de ficção do que qualquer um de nós
Perante o desespero do Espírito, cuja alteração fisionómica permitia antever (mesmo sem estar escrito) que não tardaria a adornar o pescoço de Natália com uma das suas telas (agora são telas mesmo), JC decidiu finalmente poisar o copo de três no tampo da mesa e acabar com a animada desconversa.
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Bom, como sabem eu tenho uma sólida reputação enquanto orador eficaz
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Vem aí conversa fiada
- Natália não conseguia reprimir os seus ímpetos de amazona verbal.
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Natália, faz-me um favor: vai dar de comer às renas.
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Vai tu partilhar a palha com o burro. E de caminho arranja uns morfes prá vaquinha também. Estou a falar da vaquinha da tua
Nicolau, muy macho, esmurrou a mesa e impôs a sua voz de trovão.
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Natália, nem mesmo no contexto de uma posta idiota podes sentir-te no direito de ires longe demais. O JC é um amigo desta casa!-
Pois sim, por ele já estavas a dar milho aos pombos no jardim da Estrela
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Gosto dele como se de um filho se tratasse, bem o sabes. E há muita gente a sério, potenciais leitores desta palermice, que o respeita e não tolera determinado tipo de liberdades criativas.-
Isto agora é o quê? Lá porque usam barbas (o ícone adulto do JC também)
vão armar-se em fundamentalistas? Não se pode tocar no menino? Ponham-se com essas tretas e eu, que até tenho jeito para o desenho, dedico-me já às caricaturas!JC respirou fundo. Sabia que Natália nutria por Nicolau um grande amor que lhe instilava o instinto protector e a fazia proferir tantas ofensas. Era isso mais o impacto da falta de
animação nas noites frias do Alasca (a cena do pólo norte foi apenas um mito americano para desviar as atenções). Mas ele perdoava a quem lhe tinha ofendido desde há séculos atrás e não ia sacrificar a coerência por causa da leviandade de um escriba menor, um reles mortal sem costas para levar duas chibatadas bem aviadas.
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Acalma-te, Natália, que isto é só para inglês ler.
JC aproveitou para fazer uma pausa e acabar com o resto do trotil.
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No fundo, tudo o que acontece é fruto da Vontade do Criador. E isso aplica-se também a este conto, provindo das mãos de um membro do Seu rebanho (aí pára, que eu tou a escrever mas não tou a dormir. Se te esticas corto-te já o pio
).
Nota do autor: o autor também pode intervir nas suas chachadas, ou não? Bom, vamos lá devolver a palavra ao baixinho.
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E por isso não devemos levar demasiado a sério os seus devaneios ou mesmo as incongruências da história. Por exemplo: onde é que estão os reis que dão título ao conto?Pronto. E agora basta. Querias um conto de reis (mil escudos, para quem já não se lembra da moeda portuguesa)? Toma lá cinco euros, deposita o excesso do arredondamento numa caixinha de esmolas qualquer e pisga-te que esta história acaba aqui.
E vocês, leitores, estavam à espera de quê? Neste blogue o todo-poderoso sou eu.
Mando mais do que o próprio JC!
(E a boa nova que o Espírito da Quadra trazia convidou-me para ir tomar um café
)