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Dez06
O CONTO DE REIS - Uma Novela no Espírito do Quadro (Cap. II)
shark

Natália encolheu os ombros perante o olhar alucinado de Nicolau, convencido como nos anos anteriores de que havia recebido a bênção da paternidade na figura daquele bebé nas palhinhas gelado e agora iluminado pela luz quente da lareira.
- Tás bom, JC? inquiriu ela sem grande entusiasmo.
Com as gengivas a baterem castanholas, o pequeno visitante respondeu com um aceno afirmativo de cabeça. Entretanto, o velho das barbas ruminava as siglas tentando associar o nome à pessoa enquanto ateava a braseira com um fole.
- Olha lá, ò Gepeto da tanga: tens a coisa organizada para este ano? perguntou JC, agasalhado com um xaile de Natália (não babes essa treta outra vez, menino, ou amanhã tenho outra vez uma chusma de beatas a snifarem-me o estendal).
- As prendas? retorquiu Nicolau Sim, sim. Falei com os gajos da Manpower e eles desenrascaram-me um bacano da Associação de Reformados e Pensionistas da Pampilhosa. Eu tinha contactado o Centro de Emprego, mas só me mandam putos novos sem carta de condução de trenó
- Mas quais prendas, pá? Achas que eu ainda ligo a essa tanga? A malta já nem faz presépios nem o camandro, compram aqueles muita farsolas das lojas dos trezentos e metem-nos num canto
A passagem de ano, meu! É a tua vez de organizar a cena, lembras-te?
Nicolau esbofeteou a testa.
- Pois é, no ano passado foi o o - O Manitu, sim, e já sei que adorou a tua fatiota e que te chamou irmão, ò pele-vermelha de trazer por casa. Mas já que falaste na cena das prendas, vou abrir o jogo contigo. Ando um bocado chateado com a onda do pessoal andar a curtir o meu aniversário sem me ligar pevas.
Natália levantou os olhos do tricô e fixou o pequeno traquina.
- E o que é que o Nicolau tem a ver com isso, ò fedelho?- Fedelho? Olhe que o respeitinho é muito bonito. Eu já sou falado há dois mil anos e aqui o barbas ainda nem completou um século de impressão em papel de embrulho - Deves-te julgar muito importante Tu tens é dor de cotovelo. Vai mas é fazer chorar imagens da mãezinha prás missas do galo, ò milagreiro da treta.
Nicolau, aflito, balbuciava palavras de concórdia mas nenhum dos dois parecia querer amainar o tom.
E o pequeno JC prosseguia:
- Ganda lata a sua É por causa do patrocínio da marca? Mas olhe que também vendem Coca-Cola em garrafa. Se calhar anda distraída a promover o consumo dessa zurrapa para arrotar
Nicolau apanhou logo a deixa.
- Olhem, e por falar em bebidas: vamos tomar qualquer coisinha?- O puto bebe suminho. É proibido servir bebidas alcoólicas a penetras de fralda. E desmonta do xaile que tem dona, ò meia-leca!
Natália não suportava o miúdo e via nele uma ameaça à estabilidade financeira do seu agregado. Podia lá agora vir um rapazola dar cabo da reforma dourada ao seu Nicolau
(continua)