Pálpebras abertas à força, os olhos não podiam fugir à realidade que não queriam transmitir a um cérebro cansado da vergasta que a verdade empunhava.
A visão inevitável da razão impossível de ignorar depois, quando a mente processava a informação e concluía um desgosto que a cobardia evitava a custo sob as cotoveladas nervosas da lucidez.
E os olhos abertos recebiam o impacto das imagens a sangue frio, coração apertado pelo terrível resultado do raciocínio mais elementar. A vida a revelar a verdadeira dimensão do problema no focinho de cada hiena disfarçada que lhe oferecia outra dentada numa ferida por sarar.
A mente não conseguia abraçar a hipocrisia necessária para impor aos lábios o sorriso circunstancial e depois todos levavam a mal os desabafos sinceros que atraíam outros animais, predadores, em busca de fraquezas por explorar.
Não conseguia imaginar uma realidade alternativa e pintar cor-de-rosa a parede da masmorra onde aprisionava a sua vontade de ripostar. Amordaçada a boca que silenciava a revolta e os olhos proibidos de lacrimejar, vendados por dentro para filtrar o nojo crescente que lhe inspirava aquela gente que encenava sentimentos de brincar.
E afinal era a sério que doía o desmascarar da fantasia que se diz no instante em que se reabre a cicatriz com o cutelo de uma reiterada traição a um princípio qualquer.
Aquilo que lhe dava a ver o mundo, um cenário hediondo que incitava a fugir perante as bocas a sorrir que lhe mostravam as fauces aguçadas, pouco ou nada dissimuladas, por detrás da primeira fila da dentição. Os rostos da desilusão que frustrava por não ser capaz de a esconder.
A vida a doer em cada episódio da novela sem graça, os contornos da farsa que parecia alastrar como uma epidemia global.
A vitória do mal que se esgueirava pelas janelas entreabertas de quem ignorava os alertas que o instinto produzia, a trincheira que se abatia sobre as tropas que enfrentavam o inimigo de peito aberto, desarmadas, e se viam soterradas pela avalancha de constatações.
Somavam-se caveiras na fuselagem dos aviões imaginários que bombardeavam os mais otários na rectaguarda das suas linhas Maginot.
E os olhos fechados para sempre já não informavam a mente alienada da morte anunciada em cada etapa do calvário social.
O óbito da esperança em cada gesto foleiro, em cada impulso traiçoeiro que suscitava a rapina das emoções alheias. A cedência às tentações mais feias que depois urgia cobrir sob um cândido capote cuja água se sacode com uma mentira piedosa ou um falso pretexto de ocasião.
O milagre da ressurreição da alma envenenada pela mensagem inquinada que anuncia a banha da cobra redentora que se alega professora da arte de sobreviver a um pecado qualquer, imaculado por uma espécie de benzina a fingir. E nem a pior nódoa lhe consegue resistir, perdoada a ofensa pela contrapartida que quase equilibra a parada na consciência de cada prevaricador.
As desculpas de mau pagador que os falsos espertos utilizam para fintar o espanto da razão.
Mas os olhos abertos reagiram e não lhe permitiram ignorar o desencanto do coração.