Podia optar pela hipocrisia, fazer de conta que não vejo e calar o desconforto. Mas não sou homem para pactuar com essa forma de estar, prefiro assistir ao inevitável colapso da minha capacidade de integração num grupo qualquer.
Falo demais. Não consigo calar as emoções, as boas e as más, não consigo reprimir a ira como não consigo renegar a paixão.
Exijo demais das outras pessoas, mesmo quando a minha conduta não o justifica. Isso torna-me um alvo fácil para a represália, sempre que as minhas falhas e limitações, imensas, se revelam na minha incapacidade para as camuflar. E essa incapacidade deriva do facto de não ser minha intenção ocultar os pontos fracos que me traem. Nem as pessoas que optam por esse caminho, de forma consciente ou involuntária, que ignoram tudo o que tenho de bom para oferecer e enfatizam os aspectos que me inferiorizam ao ponto de sustentarem a minha condenação no implacável tribunal das escolhas.
Já por diversas vezes aqui elogiei a lealdade de pessoas que me atacaram em defesa dos seus, e não está em causa a razão e quem a possua, ninguém é razoável quando disputa seja o que for. Eu aprecio a
lealdade e acho que ela se manifesta com a mesma espontaneidade de tudo quanto faz parte da amizade e do amor, emoções endiabradas mas genuínas que nos arrastam como locomotivas para as mais disparatadas decisões.
Nem sempre estou à altura perante os outros nesse particular.
E encosto à parede quem me estima quando os meus fantasmas uivam rumores de traição, quando a minha visão dos factos denuncia o que entendo como uma falta de solidariedade escusada.
Eu vejo e eu percebo e nem sempre estou equivocado nas minhas conclusões. Quando alguém me ataca, denunciando o seu desprezo, o seu ódio, a sua inveja, o seu despeito ou a sua mera embirração, aceito essa postura como natural. Não somos obrigados a gostar seja de quem for e cada um é livre de agir como o seu impulso ou a sua motivação pensada imponham.
Regra geral reajo na proporção, fundamentado no conceito de legítima defesa que na maioria dos casos não justifica a estupidez das minhas reacções que afinal se baseiam apenas no instinto do chavalo que fui e que nunca podia virar a cara para o lado sob pena de se tornar no bombo da festa pela cobardia na reputação.
Neste meio, esse é um instinto fatal. Ninguém aceita que alguém enfie um murro verbal bem assente na tromba virtual de quem apenas lhe deu uma tímida estalada. E surgem logo os paladinos em defesa dos coitadinhos que morderam (mais ou menos) pela surra, tomando partidos em generosa verborreia ou alinhando na paródia (mais ou menos) explícita e assim concedendo o seu beneplácito à atoarda desnecessária.
Na minha concepção maniqueísta e mesquinha da solidariedade entre amigos, esse alinhamento passivo nos ataques que me desferem, nas provocações medíocres de quem poderia utilizar o talento e a sagacidade para suscitar reacções agradáveis e positivas por parte dos outros, essa presença (mais ou menos) deliberada constitui para mim um sinal inequívoco da falta de consideração para com quem se vê atingido por um texto concebido com o único objectivo de me achincalhar.
Mas afinal o que me achincalha, e já dei provas cabais de que sou gajo para nunca me ficar, qualquer que seja o plano em que me ataquem, é precisamente a leviandade de quem nos bastidores me manifesta independência e alheamento ou mesmo proximidade à causa de mim próprio que represento e depois dá a cara em apoio de quem demonstra o seu desdém por tudo aquilo que sou.
Na minha lógica simplista de gajo vulgar, a amizade tem regras. E delas faz parte o discernimento das ocasiões em que devemos manifestá-la, nem que apenas com o pudor da nossa omissão. Não falo em tomar partidos, refiro-me expressamente ao oposto. Refiro-me concretamente ao silêncio de quem entende que alguém parodia outro alguém que afirmamos digno da nossa confiança e até de alguma estima e por isso abstém-se de intervir para não conferir a uma das partes a força da sua intervenção e o apoio deliberado que ela denuncia.
Na minha lógica elementar de pessoa sem atributos, isso enquadra-se no que entendo ou pelo menos no que sinto como uma traição. E perco a confiança ou mesmo o respeito por quem me ataca por tabela dessa forma insidiosa, como quem não quer a coisa, fazendo de conta que se está a cagar no problema mesmo quando não pode fingir que não percebeu claramente quem é o destinatário da graçola.
Esta minha visão limitada das coisas está na origem do ostracismo a que me vota, mais cedo ou mais tarde, a maioria das pessoas de quem arrisco aproximar-me mesmo adivinhando o desfecho inevitável dessa frágil ligação. Sou eu quem a fragiliza, com o tal nível de exigência que não perdoa o desleixo e muito menos a palmadinha nas costas de quem me escolhe como alvo quando lhe falha tudo o resto para manter interessados os poucos que lhe prestam atenção.
É disso que trata esta posta descaradamente umbilical. Assumo sem problema as características que me constituem e as consequências das mesmas na minha relação com as outras pessoas. Ou a sua ausência.
E não as escondo, ao contrário do que muita gente neste meio pleno de farsas me aconselhou.
Valho o que valer e não faltarão as evidências que permitam medir esse valor, aqui como na vida lá fora. Valho pouco, se quiserem. Valho muito, se acharem que vale a pena acreditar.
Mas sou eu aqui. Tal e qual. Por escrito, para que nunca possa desmentir-me ou dar a volta ao texto. Com tomates para reagir à bruta e com inteligência para alinhar no joguinho merdoso de meia dúzia de cromos que embirram comigo ou me deixaram cair quando estalou o verniz e deixei de ser o mister perfect que outros se pintam até a maquilhagem se esborratar.
Só me falta o talento para fingir que não percebo o que se passa à minha volta, para transmitir a todo o tempo a imagem de bonzão que nunca serei como nunca o serão os infelizes que investem o seu tempo a desdenhar de quem em nada os pode afectar nem tenciona. Eles e os seus sequazes por inerência, os tais que são isentos e imparciais mas não reprimem a sua dentadinha solidária sempre que surge a ocasião propícia.
Gente pequena aos meus olhos, como eu serei aos seus.
Aceito o meu estatuto. Enfiem também a vossa carapuça e assumam as vossas preferências, as vossas lealdades reais, as vossas solidariedades que ninguém pode ou deve contestar.
E nesse caso, por favor, deixem-se de tretas, não me desiludam que já tive a minha conta.
Desamparem-me a loja e larguem-me da mão.