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Esta rebeldia que Luísa Mesquita protagoniza, recusando aceitar o convite para abandonar o parlamento em nome da renovação, soa a traição aos princípios que o partido sempre defendeu (sem a sua contestação) e quem nele milita sabe de antemão ter que enfrentar.
Contudo, a reacção da deputada comunista agora caída em desgraça também deixa no ar a ideia de que o PCP nem sempre sabe reconhecer o mérito e a dedicação dos seus leais militantes.
Aos 54 anos de idade e depois de muitos anos de imersão na vida político-partidária, não é de presumir que uma antiga professora do ensino secundário possa retomar o ofício que abandonou sob a presunção de que nunca teria que enfrentar tal decisão por parte do partido a quem, diz ela, nunca negou seja o que for.
É um partido diferente dos outros e ninguém pode alegar o desconhecimento das regras do jogo. Décadas de clandestinidade forçaram a organização a constantes adaptações que acabaram por endurecer os processos internos que, afinal, têm mantido a coesão no interior do mais hermético e inflexível partido do panorama político nacional.
Eu, por exemplo, nunca conseguiria adaptar-me a um esquema assim.
Mas lá está: quem opta por integrar a estrutura sabe do que a casa gasta e só por ingenuidade se pode sentir à margem deste tipo de decisões.
Por isso estranho a atitude da política, tanto quanto entendo a revolta da mulher. Existem tiques de comportamento no PCP que colidem com a percepção que temos de um partido de esquerda, compreensíveis à luz da sua história mas impossíveis de encaixar no que se entende por uma relação saudável dos militantes com o seu partido. Os outros imploram a participação activa dos seus filiados (pelo menos que paguem a quotização, quase sempre simbólica), enquanto o PCP recruta voluntários com base naquilo que os comunistas interpretam como uma obrigação, servir a democracia por intermédio de quem, na sua ideia, mais a defende contra as ameaças do costume (aquilo que o povo baptizou de cassette).
Luísa Mesquita, agora numa posição insustentável no partido como na bancada parlamentar, terá dado um tiro no pé com este seu
grito do ipiranga.
E com a sua iniciativa, longe de atear um rastilho semelhante ao que abriu caminho para as badaladas cisões de anos atrás, apenas dará razão à corrente mais ortodoxa do PCP e acabará inevitavelmente isolada na sua desdita que, bem vistas as coisas, só a surpreendeu se andou distraída quanto aos mecanismos de funcionamento da estrutura na qual depositou uma confiança digna de uma "passaroca".
E será essa, provavelmente, a única imagem que irá perdurar na sequência da bronca que em má hora terá abraçado neste caldo que entornou.