Ao que parece, um sujeito de nome Goucha, que apresenta programas na televisão há já vários anos, decidiu hoje fazer serviço público. Levou ao seu programa, penso eu que matinal, um convidado que havia ficado viúvo há cerca de 8 anos, depois da mulher ter morrido na sequência de um aborto clandestino. Depois da entrevista, na qual o homem ficou arrasado, o tal de Goucha não se coibiu de utilizar a miséria humana alheia para fazer campanha pelo SIM. Um verdadeiro nojo, revelador do tipo de campanha que alguns se preparam para fazer. O mais extraordinário, ou talvez não (lembrem-se quem é o actual accionista maioritário!), é que tudo isto se tenha passado a cobro de um canal de televisão, em prime time matinal, sem que tenha havido qualquer contradita.
In TVI pelo aborto, por Rui Castro, Blogue do Não.Escolhi este pedaço de argumentação, mas não faltaria por onde pegar. O blogue do não, um espaço livre de exposição dos pontos de vista dos adeptos da criminalização do aborto, é a face visível da bonomia cristã no folclore costumeiro sempre que a questão se coloca.
Não é preciso dissecar o post para nele encontrar a sensatez e o rigor com que os defensores da vida (entre aspas para frisar a ironia implícita em defender a vida por nascer, considerando um nojo denunciar a morte desnecessária de quem a perdeu por culpa da clandestinidade que a legislação impõe) revelam o tipo de campanha que já estão a fazer.
O autor deste desabafo tão
self explained esclarece-nos logo na segunda frase a sua condição de telespectador chocado, ao ponto de se interrogar se o programa que (alegadamente) viu de manhã é de facto matinal.
E segue no seu tom cordato e estimulador de um diálogo em clima de paz referindo-se à situação em causa como miséria humana. Um verdadeiro nojo, como o autor salienta, esta utilização da verdade dos factos que se converte automaticamente (na perspectiva dos que renegam as evidências) num acto de campanha pelo sim.
Faço campanha pelo NIM. Isto porque me assumo no lado oposto da barricada que o dito blogue representa, sem no entanto pactuar com a tradicional e tendenciosa distinção dos que estão contra o aborto e dos que estão a favor.
Eu não estou a favor e tenho quase a certeza de que a miséria humana que o Manuel Luís Goucha terá identificado no seu programa também não estaria. Ninguém no seu juízo perfeito está a favor do aborto, sobretudo se já passou por tal experiência.
E é essa subtil colocação dos a favor da coisa por oposição aos que estão contra que me impede de assumir o SIM como a minha resposta inequívoca (que votarei) à questão a referendar.
Os canais de televisão, independentemente de quem forem os seus accionistas, são Órgãos de Comunicação Social e possuem por inerência o direito (e o dever) de exibirem os factos mesmo quando estes enojam os que pretendem ignorá-los. Faz parte da crueldade que a liberdade de expressão encerra para quem prefere abafar a realidade no lodaçal do que se sabe que existe mas que se prefere remetido para a masmorra do silêncio pueril.
E acredito que é (também) em nome desse silêncio conveniente que os defensores da vida se insurgem contra uma alteração legislativa que evite adicionar a carga de um processo crime aos vários medos que as mulheres se vêem obrigadas a enfrentar nessas circunstâncias. Os medos, as vergonhas e os riscos concretos que o Manuel Luís Goucha terá exposto ao olhar de quem os prefere ignorados.
Se a actual legislação fosse adequada, como defendem os Nãos, o problema estaria resolvido e os canais televisivos não teriam estes exemplos de miséria humana para citar. É que é fácil proibir (mantendo ilegal) mas o tempo que entretanto decorreu não nos deu provas de que tenham sido criadas soluções, as verdadeiras contraditas, as alternativas concretas para quem se vê a braços com um problema bem real cuja resolução, em última análise, foi Deus, que inspira a posição da maioria dos contras, quem decidiu bem ou mal confiar às suas controversas criações.
Às boas e às más