20
Nov06
CAIS EM TI
shark

A esperança num futuro distante era mais forte do que o desespero presente naquilo que o passado lhe serviu.Por isso não partiu quando a oportunidade lhe foi concedida. Rejeitou a despedida e abraçou a fé que assomava, discreta, no prenúncio vago de um evento que contrariava o fim que renegou com a sua teimosia militante.
De malas aviadas em redor dos pés bem assentes no cais, acendeu um cigarro enquanto assistia à largada de outros participantes na corrida que abandonou mesmo antes de começar.
A embarcação a zarpar para outro destino e ela insistente na receita que originava a maleita que lhe atormentava o coração, uma estranha opção que o instinto lhe impunha.
Sentenciada pela emoção julgada improcedente na primeira instância da análise racional, recurso interposto pela inteligência emocional que traía as decisões impulsivas das que se arrependia depois.
O barco a partir e a sua existência a prosseguir em terra firme, a lembrança de um nome que não conseguia esquecer.
Gaivotas reunidas no mastro de um arrastão, testemunhas alinhadas da sua indecisão aparente. Afinal apenas cedia num instante alucinado pela ira passageira que nunca implica que se queira embarcar numa alternativa qualquer.
Arremedos de mulher e nada mais.
Sorria no cais por entre uma baforada que se via misturada com o fumo das chaminés de muitos navios que não temiam os desafios e avançavam sem medos, flutuavam por entre os segredos que os oceanos escondiam no fundo da sua alma inconstante que oscilava ao ritmo das marés, barcos alheios à incógnita submersa sob a espuma dos receios provocados pela ondulação.
Sorria pela constatação inevitável da verdade expressa naquela bagagem pousada, outra viagem adiada, impossível.
A quilha na proa que antes rasgava raivosa a superfície do mar cedia à força da âncora que se agarrava na popa, teimosa, à vontade de ficar.