11
Nov06
ALMA KODAK
shark

Espreita, fantasma, pelas frestas que o teu presente permite, o passado a que deixaste de pertencer quando todo o teu rasto sumiu.
Escuta o som distante da vida que renegaste enquanto te foi concedida para usufruir e agora partiu. Um momento, um simples lapso de tempo que, bem te avisaram, passa sempre a correr.
E agora assistes de fora às outras existências, sonhas o que podia ter sido, tangível, mergulhado no pesadelo do que nunca mais será possível para ti.
Sofre, fantasma, o arrependimento. Agora, que já não vais a tempo de reparar o desperdício, aguenta o sacrifício e observa enquanto te dói. Mereceste por inteiro essa punição, palerma, pelos pretextos que inventaste para justificar a tua incapacidade de agarrar a felicidade quando ela esteve à mão.
Alma penada, agora. Um espírito que chora sem ninguém para o ouvir, escondido no esquecimento a que se votam os deserdados do amor.
Inconsolável na solidão eterna, enfiado numa caverna que não passa do buraco no peito onde tinhas um coração a bater. Um coração a valer e capaz, menosprezado afinal, porquanto condenado à tarefa mecânica essencial.
Sangra, fantasma, a tristeza corada pelas tuas vergonhas. Aquilo que sonhas é agora proibido, a tua vida sem sentido acabou e a lógica bem te avisou o que só confirmaste depois do fim. A vida é mesmo assim, sem espaço para a arrogância de a presumir intemporal, sem qualquer complacência para um engano fatal. Como o destino, aquele que desafiaste quando um dia te acreditaste capaz de sobreviver sem abraçar o amor que se faria.
Confiante no dia de amanhã ou no que viesse a seguir, logo se veria.
Despede-te, fantasma, do que esbanjaste e outros usufruem no teu lugar deixado vago. Assiste impotente, triste fado, ao festim alheio dos que beijam a vida com gratidão, dos que estendem a mão cheia de oferendas a quem retribui depois com o carinho que te faltou.
Acena adeus a quem te amou, escondido detrás dessa janela no céu que imaginas dourado à medida da tua ilusão.
Mas na vida real, que não a tua, o prateado da lua reflectida no mar é o pouso de um olhar apaixonado que cobiçaste outrora.
O tesouro que procuraste à toa no sótão de uma qualquer mansão das histórias de terror encontrava-se afinal nas memórias do amor que preferiste ignorar nessa ânsia sem tino.
E agora, fantasma leviano, como que fotografas à distância a emoção de que sentes a falta e pretendias ressuscitar. Sem sucesso, pois não sentes na pele o que imprimes nesse papel que não desempenhaste na vida, actor, perante todos aqueles que não soubeste ou não quiseste amar como deverias.
Não tiraste essas fotografias, ficaste a ver navios, no tempo certo para as tirar.
Sobraram-te os álbuns vazios.
Para mais tarde recordar...