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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

11
Nov06

ALMA KODAK

shark
janela indiscreta.jpgFoto: Shark
Espreita, fantasma, pelas frestas que o teu presente permite, o passado a que deixaste de pertencer quando todo o teu rasto sumiu.
Escuta o som distante da vida que renegaste enquanto te foi concedida para usufruir e agora partiu. Um momento, um simples lapso de tempo que, bem te avisaram, passa sempre a correr.
E agora assistes de fora às outras existências, sonhas o que podia ter sido, tangível, mergulhado no pesadelo do que nunca mais será possível para ti.

Sofre, fantasma, o arrependimento. Agora, que já não vais a tempo de reparar o desperdício, aguenta o sacrifício e observa enquanto te dói. Mereceste por inteiro essa punição, palerma, pelos pretextos que inventaste para justificar a tua incapacidade de agarrar a felicidade quando ela esteve à mão.
Alma penada, agora. Um espírito que chora sem ninguém para o ouvir, escondido no esquecimento a que se votam os deserdados do amor.
Inconsolável na solidão eterna, enfiado numa caverna que não passa do buraco no peito onde tinhas um coração a bater. Um coração a valer e capaz, menosprezado afinal, porquanto condenado à tarefa mecânica essencial.

Sangra, fantasma, a tristeza corada pelas tuas vergonhas. Aquilo que sonhas é agora proibido, a tua vida sem sentido acabou e a lógica bem te avisou o que só confirmaste depois do fim. A vida é mesmo assim, sem espaço para a arrogância de a presumir intemporal, sem qualquer complacência para um engano fatal. Como o destino, aquele que desafiaste quando um dia te acreditaste capaz de sobreviver sem abraçar o amor que se faria.
Confiante no dia de amanhã ou no que viesse a seguir, logo se veria.

Despede-te, fantasma, do que esbanjaste e outros usufruem no teu lugar deixado vago. Assiste impotente, triste fado, ao festim alheio dos que beijam a vida com gratidão, dos que estendem a mão cheia de oferendas a quem retribui depois com o carinho que te faltou.
Acena adeus a quem te amou, escondido detrás dessa janela no céu que imaginas dourado à medida da tua ilusão.

Mas na vida real, que não a tua, o prateado da lua reflectida no mar é o pouso de um olhar apaixonado que cobiçaste outrora.
O tesouro que procuraste à toa no sótão de uma qualquer mansão das histórias de terror encontrava-se afinal nas memórias do amor que preferiste ignorar nessa ânsia sem tino.

E agora, fantasma leviano, como que fotografas à distância a emoção de que sentes a falta e pretendias ressuscitar. Sem sucesso, pois não sentes na pele o que imprimes nesse papel que não desempenhaste na vida, actor, perante todos aqueles que não soubeste ou não quiseste amar como deverias.

Não tiraste essas fotografias, ficaste a ver navios, no tempo certo para as tirar.
Sobraram-te os álbuns vazios.

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