A mulher perfeita não existe. E ainda bem. A sua inexistência deriva do facto de uma mulher em condições ser aquela que vive bem com as suas imperfeições e as assume com tamanha naturalidade que as transforma em meras chamadas de atenção para tudo o que possui de bom para partilhar com quem a observa no todo que a compõe.
A mulher perfeita seria necessariamente arrogante porque a sua inteligência superior não lhe permitiria ignorar o facto de constituir um ideal, uma criatura suprema, cobiçada ou invejada por gente invariavelmente inferior.
Seria uma pessoa triste também. Pela constatação de lhe ser vedada a luta pela melhoria que move todos quantos possuem algo em si para corrigir, por se sentir limitada à manutenção da sua condição, isolada no cimo do pedestal.
Essa pessoa mulher não poderia ser uma pessoa melhor. E por isso prefere enfrentar os desafios que a sua natureza lhe coloca, com a mesma frontalidade e firmeza que aplica aos que lhe lançam a toda a hora a partir do exterior.
A mulher perfeita é sem dúvida a que aceita na boa as questões de pormenor de somenos importância porque lhes vislumbra a irrelevância, pragmática. Os quilos a mais, as rugas que despontam, o mau feitio manifestado em mais do que um dado período em cada mês. Detalhes que compensa com o resto de si enquanto destrinça com clareza o que importa de facto corrigir.
Ela não reage agressiva à indiscrição elegante de um olhar seduzido pela sua presença carnal, mais visível porque enfatizada pela segurança que alardeia e pela certeza absoluta que irradia quanto ao rigor das suas escolhas. E pela convicção que nela transpira de que não existe qualquer obstáculo letal a um instante mais sensual, reunidos os pressupostos para uma possível concretização da cedência à atracção que reconhece decisiva para o equilíbrio que procura manter.
E gosta de fazer ou que lhe façam o amor inadiável no calor da sua mais intensa tesão. Ou da simples paixão despertada pela frase adequada ou pelo toque subtil de um qualquer pormenor que nunca escapa à sua percepção de fêmea potencialmente disponível para quem a saiba merecer.
Sem estorvos artificiais ou dogmas fundamentais, sem vergonha do seu instinto animal. Recatada na pose mas sem renegar o sentido de humor ou o apelo interior que lhe justifica cada aposta, filtrada com o saber da experiência mais o dom da inteligência que em conjunto lhe franqueiam os actos de liberdade que se reserva.
Sem medos nem falsos pudores, na cama com os seus amores. Eternos ou não, pois a vida é parca em opções sedutoras como em relações duradouras e ela cedo aprendeu tal lição.
Em cada decisão o seu cunho pessoal, o arrependimento normal de quem erra de vez em quando mas prefere arriscar e até podia refugiar a frigidez emocional mal disfarçada em argumentos de merda que a impediriam de ser feliz.
A mulher perfeita, paradoxal, nunca se rejeita sensual com base nos diferentes papéis que a vida lhe acarreta. É amante, é mãe. E excelente profissional também. Exímia em todas as missões, capaz. De conseguir distingui-las na execução, sem nunca admitir a confusão que a possa castrar pois recusa amputar qualquer parte de si, no todo, essencial.
É filha, é amiga, é senhora ou rapariga e não se atrapalha no conflito entre a loucura e a lucidez que a empurram à vez para uma forma de estar. Eufórica ou melancólica, passiva ou activa, dominadora ou confiada ao poder que alguém decide exercer sobre si num arrebatamento consentido pelo reconhecimento de uma força irreprimível ou de um jeito másculo, circunstancial, que se manifestou, desejável se oportuno.
Sem pressupostos ou imposições. Com lugar para a irreverência na análise à consciência daquilo que pode ou deve fazer. Porque sabe o que quer na sua lógica de mulher tão flexível nos conceitos por admitir subordiná-los, sabedora, a diferentes interpretações.
Alimenta ilusões e contos de fada, menina, como assenta em profundas convicções a realidade que desatina mas enfrenta à sua medida, os pés bem firmes no chão.
Resistente inquebrantável à adversidade, combatente implacável pela paridade. Sem espalhafato, serena, a vitória pela evidência que só os estúpidos não conseguem distinguir. Ela sabe prevalecer sobre as falsas questões e as absurdas tradições que se esforçam por a convencer de uma inferioridade artificial.
É uma pessoa normal, alheia contudo aos clichés que dão jeito à maioria para cristalizar uma versão universal do padrão associado à alegada debilidade da cruz que um pipi representa. A fraqueza feita força no poder que não desdenha exercer pelos atributos do género, praticante de um judo misturado com xadrez, o adversário estatelado na baba que ingénuo derramou enquanto ela congeminava o método mais simples de o arrastar para o chão.
Por vezes apenas um sorriso matreiro. Ou talvez um argumento certeiro, de surpresa, para levar a água ao moinho vencedor, no seu imparável caminho para a perfeição rejeitada.
Só a trai o amor, calcanhar de Afrodite, a cegueira instantânea que lhe perturba a concentração e a empurra para fora dos carris de uma linha determinada, para os braços de uma incógnita carmim chamada emoção.
A mulher perfeita apaixonada constitui para mim a mais sublime imperfeição.