Em todo o mundo, a cada minuto que passa morre um ser humano em consequência de acidentes de viação. E mais de 50 sofrem ferimentos graves, muitas vezes com sequelas irreversíveis. Quase uma pessoa por segundo.
No nosso país, onde os números até revelam uma tendência favorável, continuamos a perder gente no asfalto e isso é dramático. Mais ainda quando começa a ser notória a perda de gente muito jovem, menores, envolvidos em sinistros provocados pelo excesso de velocidade. Sem carta de condução.
Este foi um fim-de-semana aziago para diversos pais portugueses. Um veículo cheio de miúdos ignorou uma operação stop e acabou por se despistar. Um outro ignorou uma passagem de nível e acabou esmagado por um comboio. E um terceiro, em Beja, com seis menores a bordo, arrastou para a morte um adolescente com quinze anos de idade e deixou os restantes em péssimo estado.
Se a isto somarmos a frequência com que as autoridades caçam jovens sem carta ao volante de automóveis, podemos concluir que está a nascer um fenómeno nada tranquilizador para quem tem filhos na faixa etária de risco.
Quem mora num raio de cinco quilómetros da ponte Vasco da Gama, pior do que residir ao lado do autódromo do Estoril, já se habituou ao roncar dos motores que parecem não incomodar as meia dúzia de esquadras da PSP e de postos da GNR da zona.
É do conhecimento geral que a partir da meia-noite das quintas-feiras torna-se uma aventura circular nos acessos à ponte e no seu tabuleiro, onde duzentos quilómetros por hora são velocidade de tartaruga
Ninguém mexe uma palha. Mesmo tendo consciência do facto de os street racers serem pessoas muito jovens e trazerem à pendura as gaiatas e os aprendizes que pretendem impressionar. Carne tenra para o canhão macabro das estradas deste país, à mercê de factores tão aleatórios como o rebentamento de um pneu ou uma manobra imprevista por parte de outro condutor.
É um facto que está a crescer o número de jovens entre o rol de vítimas desta carnificina e que ninguém parece atento a essa progressão assustadora e, considerando a natural inconsciência da idade das hormonas de quem ocupa esses mísseis descontrolados, tão arriscada como uma roleta russa sobre rodas. Para os próprios e para quem tenha a desdita de se cruzar no seu caminho na pior altura.
E as estradas já são temidas ao ponto de muitas pessoas preferirem não sair de casa para evitarem esse risco elevado.
O Estado, cada vez mais empenhado em descartar-se do seu papel na vida dos cidadãos, tem que assumir a responsabilidade política que isto implica. Se é um facto que não é possível policiar todos os locais a todo o tempo, existe um instrumento ao alcance do poder que parece ser de último recurso e só surge em cena quando o choque mediático o impõe: a legislação.
E se existe um problema que requer o endurecimento drástico das consequências legais é o da sinistralidade automóvel.
Custa-me a entender como é possível permitir a circulação nas estradas a veículos capazes de atingirem velocidades dignas da Fórmula Um, ao alcance de qualquer cidadão. Sim, porque não me venham com o discurso da liberdade de escolha neste campo específico: os automóveis podem sofrer estrangulamentos baratos no motor que limitem a velocidade que podem atingir. Se não os fazem, não há volta a dar, é por estarem reféns da indústria automóvel. A mesma que pode de forma impune publicitar os seus produtos com claras associações aos carros de corrida, à potência do motor, à virilidade estapafúrdia que cultivam em torno dos seus caixões motorizados e que influencia acima de tudo a camada mais jovem da população.
A mim não enganam com a instalação de radares xpto por toda a cidade e nos veículos da Brigada de Trânsito. A sinistralidade automóvel não pode ser confiada ao livre arbítrio dos condutores alcoolizados ou demasiado jovens ou demasiado estúpidos e gágás para entenderem que uma estrada pública não pode ser um circuito de velocidade onde se buscam recordes ou que não se deve circular nas auto-estradas em contramão.
Já não existem paninhos quentes que disfarcem o óbvio.
Enquanto não endurecer a actuação do Estado o problema não acaba.
E isso não passa pelo conveniente aumento das coimas.
Passa pelos tomates com que se legisla para salvar vidas humanas.
Talvez as dos próprios filhos ou jovens familiares de quem deixa andar à espera que o problema se resolva por si.
Talvez a vida dos próprios cobardes que têm a faca afiada na mão para inventar as receitas extraordinárias que lhes disfarçam a inépcia na gestão das contas públicas mas preferem na prática delegar os cortes à precisão dos bisturis.