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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

05
Out06

INOCULADA PREVENÇÃO

shark
Temia ver-se de novo debilitado por aquela estranha doença que quase o destruíra. Tremia de pavor quando os sintomas se manifestavam e o alertavam para uma iminente recaída, receava a dor.
Mas rejeitava, cobarde ou comodista, a medicação prescrita e arriscava assim o recrudescimento do mal que lhe trazia aflição.

Deixou-se andar assim, convencido de que não existia uma solução para o problema que trazia em si. Não vivia, convalescia. Arrastava-se pelo mundo como se todos os caminhos tivessem contornos de corredores de hospital.
Parecia que combatia uma gripe todo nu numa varanda à mercê da invernia, estúpido voluntário para o sofrimento desnecessário às mãos de um padecimento com cura possível.

Porém, enquanto combatia uma ressaca com a mesma substância que a provocara, terapia de substituição, descobriu, ideias associadas, a abordagem preventiva que nunca lhe ocorrera como hipótese de uma solução que desacreditara existir.

E afinal a vacina resultou.
04
Out06

POSTA À SUPERFÍCIE

shark
numa boa.jpg
O meu dia, como os dias de cada um/a de vós, perfila no horizonte um conjunto de desafios. Começo por esclarecer que o conceito de desafio é descaradamente subjectivo, pois o acto de apanhar a roupa antes que chova pode constituir para mim uma dura provação e não passar de uma banalidade para quem, por exemplo, enfrenta o nascer do sol a bordo de uma traineira ou aos quadradinhos, no Linhó.
Isto a propósito de um desafio diário que enfrento e que consiste basicamente em encontrar algo decente para vos receber neste espaço da minha inteira responsabilidade.

Faz-me lembrar o Pires da drogaria da Gomes Pereira, que todos os dias carregava centenas de vassouras, piassabas, alguidares e o diabo a sete para fora do estabelecimento, sabendo de antemão que no final do horário de expediente teria que enfiar a mercadoria toda lá para dentro outra vez.
Era um ritual próprio do ramo, inerente à função. E o Pires aceitava aquilo como um facto da (sua) vida e fazia-o com um sorriso nos lábios, mesmo que os putos como eu estarrecessem perante a aparente inutilidade daquele esforço quotidiano de que o homem nunca abdicava.

Connosco, os que blogam, qualquer que seja a natureza do dia que nos espera há um compromisso que não falha. Algures, um gajo tem que se desunhar e postar para não desiludir o freguês (que é como quem diz o utente deste serviço privado que se publica).
Tudo isto adquire proporções ainda mais complexas quando nem sabemos se não deu uma macacoa à plataforma e ficamos com a posta pendurada à espera que o “server” resolva o seu “error” no seu “internal” seja o que for.

Claro que isto não passa de um assunto trivial, coitado do rapaz e das suas preocupações comezinhas, à luz do que enfrentam alguns concidadãos dos quais uma ínfima parcela investe neste charco uma porção sempre generosa do seu tempo escasso e da sua paciência limitada.
Contudo, quando um gajo pensa para que serve esta treta e porque nos dispomos a acartar palavras e/ou fotos para a entrada do tasco mesmo sabendo que no final do dia já são peças de arquivo a que ninguém liga nenhuma, acrescendo o facto de o Pires orientar a vidinha dessa forma enquanto o Shark a desorienta com mais esta ocupação, um gajo sente-se no direito de partilhar estes raciocínios com quem lhe atura a dimensão virtual da existência.
Coisa séria, portanto.

É por isso que na definição de critérios que orientam a actividade blogueira temos sempre em conta a opção aligeirada que consiste em fazer incidir, pelo menos de vez em quando, a nossa prosa em temas que só interessam ao umbigo que manda para lá deste “Marão”. É um recurso legítimo, como se o Pires acordasse com uma pontada nas costas e decidisse meter à porta apenas os objectos mais leves do seu hipermercado miniatura.

É por isso que concluo agora uma posta cuja leitura não enriquecerá de forma alguma quem se predispôs a ler o lençol até ao fim, pois não é de todo uma posta “profunda”, como se espera de um blogueiro tão culto (sim, o humor também faz parte da cena), nem empenhada e pujante (não, não estou a falar de sexo).

E por isso vos devo, levando a sério a missão que abraça quem se mete nestas coisas, um sincero pedido de desculpa. Com os votos de um dia excelente, com boas hipóteses à partida por se tratar da véspera de um dia dos que a malta gosta.

Dia de encher chouriço...
03
Out06

VISTA GROSSA

shark
conde.gif
Entreabre-se nas frestas involuntárias que o obrigam a suportar a luz. A dor no olhar habituado à escuridão. E de repente um clarão, inesperado. Um olhar semicerrado em busca da salvação menos iluminada, um alçapão para o andar abaixo, as trevas mais lúgubres onde pudesse mergulhar a visão.

Procura a cegueira com o desespero de quem nunca viu e receia gostar daquilo que os olhos transmitem, mesmo que lhe doa, masoquista.
Tapa com rigor as provas de amor que se soltam do seu invólucro de múmia, o casulo, esgueirando-se malditas pelos buracos que irrompem e o obrigam a aperceber-se da existência de um mundo exterior.

Armadura de cimento, opaca, congelar o pensamento numa realidade perdida ou num sonho impossível de concretizar. Talvez a luz de um luar, suave, contornos difusos de sombras errantes pelo chão. Assombrado o seu castelo pelo fantasma da princesa nas ameias inseguras que a deitaram a perder.
Recordações enclausuradas na masmorra mais remota, no interior do mais negro e esquecido baú.

A nuvem salvadora que reinstala o breu.
E ele evade-se de novo para o seu centro de detenção.
03
Out06

ESTRELA CADENTE

shark
identidades trocadas.gif

Julgava-se protagonista quando nem figurante se podia aspirar naquela película. Nem conseguia decorar as poucas intervenções que lhe competiam, trocava as falas e estragava mais um take com as suas calinadas de palmatória. Paupérrima, a sua actuação.
Contudo ambicionava e até se acreditava sob a luz de uma ribalta que não merecia, iluminação artificial.

Nem sabia fazer de conta, incapaz se revelava de cumprir até o seu papel secundário na vida de merda que o acaso lhe reservou. Esqueceu até se algum dia amou, tanta energia esbanjada na promoção de um estatuto que ninguém lhe reconhecia seu.
Sonhava apenas. E fingia ser feliz assim. Mas ninguém comprava a ideia, depressa descobriam que não vivia e apenas encenava tudo o que fazia para parecer muito melhor.

Louvava o amor nos seus desempenhos, simulava o calor. E depois gelava com a frieza do desdém que não escondia quando a máscara caía e a insensibilidade ficava a nu. Despia-se para revelar o vazio, a alma oca que recheava com a fúria louca memorizada num guião qualquer. Interpretava outro alguém pois por dentro renegava tudo quanto podia ter, olhos postos nos objectivos impossíveis de alcançar. Não os queria, afinal, apenas pretendia louvar as glórias inventadas pela sua imaginação depois de descartadas as realidades que lhe desvendavam a inépcia para fazer a sério o que gostava de brincar.

Parodiava a sua condição na pele das outras pessoas, apontava-lhes a dedo os defeitos e limitações que rejeitava na sua concepção modelar. Vestia-se personagem e vivia uma viagem fantasiada a bordo de um corpo que não era o seu. Na sua cabeça, um implante de sonhos floridos sobre o aterro imundo que cobria a custo, remendos maltrapilhos, com as farsas que interpretava para esconder a verdadeira dimensão da tragédia. A vida esgotada a personificar existências irreais para uma plateia indiferente e entediada pelo culto da mentira piedosa que já toda a gente decifrava nos bastidores.

Pedia com frequência um voto de confiança que traía mais tarde com a mania das grandezas, esborratada a maquilhagem com as lágrimas que improvisava para cada ocasião, a conta-gotas, ou azedada a expressão facial com acessos irreprimíveis do mau fundo, tiques de vedeta numa carreira a definhar pela natureza glaciar das suas emoções fingidas.

Um dia, memória traiçoeira, trocou sem querer os papéis e o pano tombou de vez sobre o palco improvisado onde as cadeiras vazias aplaudiam num silêncio sepulcral a solidão que pretendia esconder.
E nessa derradeira actuação, escrutínio real, o público optou pela abstenção.

Ninguém se dignou comparecer.
02
Out06

SUSPIRAR O MESMO AR

shark
cheiras bem.jpgFoto: Shark

Suspiro-te a cada inalação imaginária da fragrância que o teu cabelo grava na minha memória como uma saudade tatuada na pele das emoções que anseio respirar agora.

A solidão inodora que borrifas com as recordações odoríferas de um campo em flor.
O cheiro do teu amor, oxigénio, inspirado com sofreguidão por um corpo com alma de pulmão, narinas fictícias que aspiram no meu peito o perfume da tua essência.

Privo a imaginação do odor que rejeito desse ar rarefeito no sufoco da tua ausência.

Pág. 13/13

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