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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

26
Out06

RETALHOS DE DOR

shark
sobras de temporal.jpgFoto: Shark
A poça no chão crescia e ela não sabia se era da chuva ou das lágrimas que escorriam copiosas no rosto sulcado de sal pela espera, na falésia, do amor que demorava a regressar.Vultos vestidos de negro em seu redor, as outras, trajadas pelas perdas sofridas noutros temporais sem perdão. As ondas malditas a fustigarem rochedos e a alimentarem os medos de uma maré de solidão.

E os homens na faina, surpreendidos pela tempestade traiçoeira que sem aviso tombou sobre as cascas de noz. Frágeis como bóias das crianças na praia em dias de Verão, famílias de turistas alheias às fileiras de catraios de olhar triste alinhados no pontão. Os órfãos da ira do mar que lhes fazia naufragar a esperança a cada tragédia vivida e por todos sentida quando na falésia ecoavam os gritos das mulheres traídas pelo destino, privadas para sempre de um pai, de um filho ou de um irmão.

O som de um trovão distante que abafou por um instante o soluçar angustiado. O olhar concentrado no horizonte sem luz, coração a galope no peito de cada mulher. O parto adiado de um dia cruel. O sol por nascer, escondido por detrás da expressão furiosa do céu que se apoderava de todo o espaço que a vista conseguia alcançar.
Reflectido no mar inquieto pela raiva no tecto do mundo igual ao das casas vazias de gente no povoado em aflição.

Nomes gritados dos homens condenados no final da oração, a fé fustigada pelo castigo divino na terra marcada pelo triste destino gravado em lápides da cor do giz. Como uma cicatriz no solo firme que outra leva de pescadores não voltaria a pisar.
E a família a adivinhar o final da história, outra dor na memória, outro dia malvado que ninguém poderia esquecer. O dia de morrer para entes queridos com nome nos instantes finais, anunciados como números nas páginas dos jornais nas mãos dos turistas invejados pelos putos tresmalhados por entre as toalhas de praia no areal. Órfãos que nasciam no intervalo das tragédias e cresciam nas falésias até chegar a sua vez, o momento de sofrer.
O dia de morrer ou de assistir à desdita da frota maldita arrastada para o fundo em dolorosas prestações. A dívida saldada na água tingida de preto pelo céu, outra mulher de mãos na cabeça coberta pelo luto de um véu.

O sol a despontar e a esperança a desertar a cada minuto escoado sem o regresso anunciado pela silhueta distante de uma embarcação. Em cada miragem uma nova desilusão, pontos imaginários vislumbrados pela vontade de acreditar no milagre a acontecer.

E às vezes acontecia.

Mas não naquele dia devolvido em pedaços pequenos, destroços de vidas perdidas na voragem de um oceano possesso pelo mal.

Vidas engolidas por um destino marginal.

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