É espantosa a habilidade de um blogue para nos arrancar à força palavras e imagens do baú secreto das emoções. Um blogue é como um amigo traidor, desvenda-nos os segredos depois de se apoderar da nossa consciência, impele-nos a confessar os desejos secretos e os anseios que mais discretos gostaríamos de conservar. Um blogue põe-nos a falar, sozinhos, para uma plateia difusa na maioria composta por gente sem qualquer espécie de interesse na pessoa por detrás desta sua representação virtual.
Um blogue é indiscreto, coscuvilha. É uma autêntica armadilha para quem dispensa a razão. Só fala o coração, alegria ou tristeza, a permanente incerteza que nos move ao longo de um caminho pautado pela esperança como pela desilusão. A estranha sensação da janela aberta de par em par, sentir o cheiro da madrugada ou saltar para o vazio num derradeiro arrepio da nossa fraqueza que se expõe a quem a pretenda explorar. Pedidos de socorro floreados, os medos abafados nas palavras que outros interpretarão de acordo com a sua sensibilidade peculiar. Ou com a vontade de magoar aqueles que hostilizam ou deixam de repente de lhes servir um propósito qualquer.
Um blogue é como uma mulher matreira, desconfiada mas traiçoeira, que nos arrasta com frieza para o caminho pior. Assiste impávido à degradação da pessoa que o constrói, à medida em que lhe destrói as defesas e lhe revela as tristezas que preferiria esconder. Sempre a fingir, para evitar o óbvio. Adepto da charada, da prosa equivocada que actua como um bumerangue letal. O sim quando se queria dizer não e a recíproca verdadeira. O palco da asneira que instiga a toda a hora, sincero na maneira como nos desmascara diante de quem aguarda o seu quinhão, a derradeira dentada nos despojos que um bando de hienas disputa nas entranhas da nossa percepção.
O certo e o errado, tudo misturado nos confusos meandros da adivinha e da especulação. As duras consequências à luz das evidências que não se podem disfarçar.
A brisa, discreta na proveniência como uma inadvertida flatulência, cumpriu o seu papel anónimo e soprou aos ouvidos sedentos de uma das correntes de ar que lhe alimentavam o ego, um concubino cego que guinchava pelas frinchas das janelas como um violino triste que só tocava a solidão que sentia porque a brisa não lhe concedia outra hipótese de sonhar.
Mas a brisa não sabia amar, apenas soprava histórias de encantar (aos que não conseguia alcançar) que lhe ocultavam a natureza foleira, umas histórias à maneira, vira-bicos, mais uns pequenos arrufos para exibir uma indignação que provinha apenas da frustração de ver cada vez mais reduzido o seu harém imaginário, as hipóteses em aberto que mantinha com o poder que detinha sobre a circulação do ar nas mentes adormecidas dos ventos que adoravam a máscara e ignoravam a essência por detrás.
A brisa parecia capaz, assim o soprava, de ser aquilo que esperava quem dava ouvidos à sua música celestial. Mas tinha pouca paciência quando a sua inconsistência se expunha descarada e alguns ventos se revelavam furacões, contrariavam as ilusões de manter amarradas as trelas nas pernas da cadeira feita trono onde sentava a sua pose superior. Mas desconhecia o amor e a amizade também. Não considerava ninguém capaz de lhe justificar um desvio do olhar embevecido com que mirava o seu reflexo invertido, aquilo que gostava de se pintar.
Fútil, afinal. Desdenhosa, buscava uma saída airosa sempre que o vento soprava mais forte e denunciava a sua incapacidade para gostar a sério dos objectos do seu culto de personalidade frustrada de uma brisa enamorada pelo som da sua passagem. E nada mais. Também sabia gostar das manifestações de si, tudo aquilo que conotava com a sua alma de fingir. Refugiava-se nas poucas realidades que não lhe podiam escapar, as suas. Errante pelas ruas de uma amargura que consolidava em cada fracasso da sua estratégia inevitavelmente individual. Queria soprar sozinha, a brisa comezinha incapaz de ocultar a falta de substrato nos aspectos essenciais.
Impunha regras, ditadora, e punha o rabinho de fora sempre que chegava o momento de provar o seu valor. Desculpava-se com o mal nos outros, sua alteza, e nunca reunia a franqueza bastante para assumir as suas falhas, imaculada na sua sensibilidade de fachada que a traía no momento de se provar capaz e de responder ponto por ponto, cobardolas. Sempre muito concentrada noutra coisa qualquer, distracções. As suas precisões de loba solitária sem tempo nem motivação para atender aos males da alcateia estúpida que uivava e assim incomodava o silêncio resignado que melhor lhe servia os propósitos de brisa autónoma. Heterónima de um vendaval feito de azedume e de pó.
Nunca acabaria só, claro, habilidosa na arte de insuflar pela surra as correntes de ar que a iluminavam ou construíam, idolatravam e seguiam até ao dia em que a brisa parava de soprar as melodias de embalar e o seu desprezo ecoava com o som de um trovão.
Buscava então, como quem não quer a coisa, as alternativas que se perfilavam no horizonte deserto de emoção, depois de esgotada a utilidade subserviente dos que a adoravam em vão.
Soprava promessas, escondia premissas, varria pecados de uma memória irregular que apenas registava o suficiente para agradar o gosto dos outros e o seu.
Aquilo que pareceu. Mas nunca conseguiu demonstrar.
Acredito nas pessoas generosas, capazes até de abdicarem de si próprias em prol de alguém de quem gostam. Capazes de identificar os momentos certos para se transcenderem e conseguirem reunir as poucas forças que lhes restam numa atitude generosa e sensível. Acredito nessas pessoas porque são as únicas que valem a pena, não reduzem ao paleio politicamente correcto a sua intervenção nas vidas dos outros. Intervêm de facto, proactivas, fazem a diferença com a exibição clara de que não vivem afogadas no seu umbigo colossal.
São pessoas que interpretam as dores dos outros e as tomam como suas, não se limitam a proferir (papaguear) afirmações que as envernizem aos olhos dos outros. São, não fazem de conta. E nunca se limitam ao essencial, tentam ir mais além e merecem retribuição, merecem toda a estima que lhes dão em troca dessa oferta de si próprias nos momentos cruciais. Valem pelo que são e não pelo que afirmam ser. Não são secas, de plástico, falsas emocionais. Têm garra, não a apregoam.
Tenho tido a grata experiência nestes dias de contar com gente capaz de me conferir mais atenção do que lhes mereci. Generosas na disponibilidade que encontram no seu tempo para nele me incluírem, honestas na franqueza que transparece das suas palavras e, acima de tudo, sensíveis às questões alheias ao ponto de as tornarem prioritárias (ainda que de aparente irrelevância, as questões e as pessoas) sobre todas as outras coisas que poderiam fazer nesse instante em que se dão.