Existem coisas (pessoas, situações, sinais) que nos transmitem uma sensação desconfortável de calafrio. É uma reacção desconcertante porque impossível de racionalizar. Apenas sentimos que há algo de errado no filme mas não sabemos explicar perante nós próprios o quê e ainda menos porquê.
Coisas que não batem certo com a lógica que nos permite perceber a realidade de uma forma que encaixe nos moldes ditos normais.
Essa estranha percepção, desenvolvida sabe-se lá onde nos recantos mais esquecidos do nosso encéfalo subaproveitado, também nos transmite ondas positivas que nos levam a embarcar muitas vezes na mais retorcida incógnita, por simples impulso. Chamamos-lhe instinto para lhe podermos chamar alguma coisa, mas ninguém sabe explicar de forma inequívoca o que está afinal na origem desses fenómenos quantas vezes tão intensos que alguns chamam-lhe paranormais e outros atribuem-lhes um cariz mais do que sobrenatural. Divino, até.
Ao longo da minha vida prestei atenção a essas manifestações interiores. Em muitos momentos deixei-me guiar por esse farol interno que me safou de algumas encrencas (ou apenas me deixei limitar pelos condicionalismos inadiáveis e explica-se assim o abrandamento contra-natura). Mas também me conduziu como um passarinho às armadilhas com que uma vida normal nos confronta, quantas vezes com a nítida noção do risco em causa.
Gosto de arriscar, confesso, uns mergulhos de pranchas a partir das quais nem se consegue distinguir o tipo de chão onde eventualmente me estatelarei. Cego às recomendações desse alerta que tenta manter aberta a minha janela para a lucidez.
É nesse apelo inexplicável para o risco semi-controlado que residem as razões para a maioria dos disparates que cometo, cometi e cometerei sem dúvida no futuro que me restar.
Dou-me mal com faróis ou outros avisadores de perigos vários, pois gosto de encontrar a luz dos meus caminhos no meio da escuridão. Sem muletas, sem interferências, capaz de enfrentar os meus medos (acabo de vencer o mais ancestral, o medo aos dentistas) e de lamber as minhas feridas até cicatrizarem por si. Ou por mim, que no balanço me julgo merecedor de alguns trambolhões sem consequências funestas.
Avanço para o medicamento completamente desatento às contra-indicações e emborco-o sem hesitar, alheio às quantidades prescritas na receita. Tanto faz morrer da doença ou da cura
Acima de tudo exijo viver num ritmo compatível com a minha alergia. Reajo mal à monotonia a que a prudência em excesso me reduz e aceito as consequências de algumas irreverências que me deitam a perder aqui e além, melhor ou pior.
Embalado pelo tal instinto, a mais de duzentos à hora numa auto-estrada até rebentar com o conta-quilómetros e a seguir gripar o motor. E isso se não me estampar entretanto.
Ou envolvido em situações de contornos delicados, tentando controlar os pequenos focos de incêndio que denunciam o descontrolo de fogos devastadores nos conturbados bastidores da minha emoção ateada.
Assim me explico no que não possui explicação alguma. Lenitivos para o reconhecimento de atitudes que oscilam entre o inevitável mergulho no caos e a mais absurda estupidez.
A minha razoabilidade é feita de ténues barreiras de sinalização que muitas vezes atropelo no meio da correria desvairada rumo ao bute que grita dentro de mim.
A minha vida é feita de curvas apertadas, mas é em frente é que é o meu caminho.
E depressa que se faz tarde.