Já enfrentaram uma daquelas fases em que decidem não se meter com ninguém e toda a gente entende meter-se convosco em simultâneo? Sentimo-nos assim uma espécie de saco de pancada, com a única e quase exclusiva função de servir para outros descarregarem as suas iras e os seus azedumes, sem contrapartidas.
O instinto, nessas alturas, empurra-nos logo para o mecanismo acção-reacção à bruta. Contudo, a sobriedade que o bom senso impõe alia-se à inteligência residual e esta, num esforço extenuante, agarra-nos ao silêncio resignado e vira-nos a cara para o outro lado, oferece-nos uma distracção qualquer.
Distraio-me com a mumificação da sensibilidade alheia enquanto vejo a vida a esgotar-se no tempo que a desgasta, olhando para o futuro em busca de uma miragem de longa duração.
Hoje recuperei algo que tinha perdido tempos atrás. Uma parte importante da minha forma de estar na vida, obliterada por uma névoa que entretanto tem cuidado de se dissipar o bastante para me permitir a redescoberta de laços que entretanto deixei quebrar. Ligações ao homem que sou. Pessoas importantes, de alguma forma esquecidas no meu percurso fora de mim. Rituais de amizade. Vontade de partilhar o tempo de qualidade com gente que me aprecia.
Aos poucos, mais disponível, regresso a um rumo mais consentâneo com aquilo que sou e com algumas realidades que me fazem falta, que preenchem um vazio cada vez menos perturbador e mais realista.
Acabou por se revelar um dia bom. E vai fazer-se sentir no futuro próximo da minha capacidade decisória.