02
Ago06
FIEL AO AMOR QUE TE DOU
shark
Quero que pares de verter lágrimas, por favor. Não chores nem te revoltes quando fazemos amor como o fazes sentida pela minha repetida ausência ou por algo que não te caia bem.
O teu soluçar, a tua revolta, acaba por rasgar uma fina película que me cobre o coração e o resguarda da consciência da desilusão que posso constituir.
E eu não quero admitir o meu papel de algoz, soa-me atroz este desgosto que manifestas nas minhas costas ou no momento em que te entregas, por baixo ou mesmo por cima de mim.
Quero que não entendas esta afirmação como uma inconcebível proibição mas apenas como uma súplica que te faço para me poupar a tudo o que resultar de negativo da minha presença na tua existência tão importante para mim.
Tu conheces-me assim, desregrado, facilmente desviado daquilo que não passam de previsões falíveis. Apelos irresistíveis que se apoderam da minha vontade, maluqueiras, e eu perco as estribeiras quando me temo cativo de um constrangimento qualquer.
Não faças planos, mulher, pois sou imprevisível e acho inconcebível uma vida definida por antecipação.
Sou um filho da ilusão, amante da utopia. Bastardo da liberdade reprimida que nunca aceitarei como herança. Não sou de confiança para quem me anseia tutelado por imperativos morais alheios à minha convicção de que a força de uma paixão é superior a todas as razões apregoadas pelo ícone conservador. Dizem-me que o amor só é puro e aceitável quando o tornamos enquadrável num determinado padrão.
Mas este meu coração renega todos os pressupostos e não alinha nos gostos instituídos como um uniforme que nos disciplina. Este homem não atina com as regras que o seu mundo tem.
O amor é rebeldia também. Parte da sua magia deriva da irreverência. Confundem consistência com uma espécie de estabilidade governativa sentimental.
O amor é revolução, agita. Porque acredita na liberdade sem restrições, instintivo, e não se aceita cativo de modelos que não o permitam activo, disponível. Não tolera que lhe digam ser possível existir um amor em demasia, vive na fantasia de uma perfeição condicionada pela educação castrada que transforma o ciúme num contrato vitalício em regime de propriedade horizontal.
O amor não pode ser visto como um mal, sempre que extravasa as suas alegadas competências. Contos de fadas, fidelidade canina, de uma forma genuína aos olhos de uma sociedade que o ordena mas nunca cuidou de o aprender.
E dói a valer essa humidade no olhar que me dedicas, quando sentes que abdicas de algo essencial em prol desse amor que gostaria de me impor um recolher obrigatório das emoções tresmalhadas.
O meu rebanho emocional é feito de alazões que a pele de ovelhas nunca consegue cobrir. Apenas disfarça o meu sentir como uma mezinha caseira para atenuar uma maleita. Mas eu não sinto doente a minha forma de amar alguém. Sou amante, sou amigo, sou um homem nascido para viver a felicidade espontânea que nasce nas árvores como musgo, imprevista, podendo fluir em simultâneo como a água na nascente de um rio.
Contudo, a minha forma de ser feliz implica a tua felicidade por inerência. Implica a obediência aos dogmas de uma doutrina que não se coaduna com aquilo que se produz onde não alcança o longo braço de lei alguma, incontrolável.
Por isso te peço que me ames tal e qual como sou, na certeza de que não vou desertar da minha forma de te amar nem a permito conspurcada por um sentimento marginal. É sempre legal a razão que um coração invocar e o meu pertence a quem o souber conquistar sem a violência de barreiras ou imposições.
Parece libertinagem mas é uma vantagem entender esta parte da minha essência que cria uma distância que se expõe artificial. É muito natural que existam pessoas como eu, diferentes para pior na óptica de quem me preferiria um pouco mais igual à maioria dos que afinal apenas se afirmam melhores porque libertam nos bastidores, às escondidas, os seus amores clandestinos que lhes traem as posturas apregoadas.
Mas eu sou um gajo desbocado, não me quero privado pela mentira da liberdade que reclamo na tua presença com a mesma sinceridade que escrevo aqui.
E tu, destinatária, és todas as mulheres que amei, que amo ou amarei no futuro. É muito mais seguro saberes com o que podes contar e poderes assim rejeitar a tempo o impulso desnorteado que em má hora te empurre para mim.
Sou uma péssima escolha se buscas uma solução tranquila e fiável.
O meu amor é indomável.
Mas algo no teu interior jogará a meu favor.
O teu coração consegue ver com clareza o que a lógica desmente com a certeza de uma tipificação absurda que nunca me definirá como pessoa incapaz de te amar como nunca alguém conseguiu.
As lágrimas que deitas ou a forma como me rejeitas, aqui e além, são produto de uma visão distorcida pelos contornos de uma vida que nos cega o instinto e amordaça a voz cristalina do amor sem mácula ou dor que não se subordina a padrões.
A verdade das emoções sorri, divertida, sempre que se assume foragida de condicionalismos exteriores.
Na intensidade dos meus amores, na sua força incontida, nasce a argumentação plausível quando acredito no impossível e abraço sem hesitar alguém que apaixonar a minha tentação libertária.
E me ofereça de bandeja a oportunidade que deseja quem vive o amor como ele se sente e não como ele se diz.
Correndo à solta pela planície, puro-sangue.
Livre.
E acima de tudo feliz.