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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

25
Jul06

A POSTA DESIDRATADA

shark
terra seca.jpgFoto: Shark

O arbusto seco, mirrado pelo calor, soprado pelo vento, rebola sem rumo pelo piso de pó à espera que alguém o siga com o olhar, testemunha, naquela parcela derradeira do caminho que o acaso escolheu.
Cambalhotas sucessivas, mudanças imprevistas de direcção. Está tudo na mão daquele sopro ocasional, no silêncio de um longo funeral que a natureza marcou.

No deserto, a vida das coisas acontece devagar e extingue-se sem dor. O silêncio ao luar e o cheiro da morte que a chuva ausente intensifica, perante a implacável rudeza do sol que não se compadece de ermos assim.

A erva ruim que cresce na saudade da última gota que pingou num pedaço qualquer de chão é o ornamento macabro do inferno ressequido que a Terra oferece como uma visão do futuro global.
O horizonte distorcido pelo efeito das ondas de calor, vida própria animada numa dança colorida de castanho com azul que só vê quem consegue sobreviver. As miragens produzem-se assim, nas mentes sequiosas de imagens milagrosas como oásis verdejantes em pleno nenhures.

A sede de vida a enlouquecer, aos poucos, a alma que pinga pelo suor com os outros líquidos essenciais. Gota a gota no chão, semente escondida de planta bandida e oportunista que as bebe para depois romper de surpresa por entre o tapete de desolação.

E o arbusto que caminha encontra o final da linha com um ramo encravado sob o peso de um calhau. Agita-se num último estertor, ajuda-o o vento, mas a luta é inglória.

E nesse fim da sua história deixa-se ficar com raiz voltada para o céu até um dia se transformar em pó.
25
Jul06

A POSTA QUE SE ESTAVA MESMO A VER

shark
era uma vez.JPGFoto: Shark
Os preconceitos e os pressupostos, depois de despidos, deixam-nos a consciência como uma árvore de folha caduca a meio de Dezembro. Atafulham-nos como erva daninha e corrompem os mais bem cuidados jardins das boas intenções em cada um de nós.
Juízos de valor, manias, palpites, certezas infundadas, esperanças mutiladas pelo faz de conta no nosso interior.
Supera o amor, essa armadilha que se instala ao longo de uma (co)existência recheada do calor humano que tanta trampa atrai e faz circular nos nossos contactos sociais. Adultera-nos o comportamento, a massa disforme de informação que julgamos necessária para melhor identificarmos os inimigos potenciais em cada pessoa.

Claro que não o assumimos dessa forma, pelo menos os mais reservados. Chamamos precaução a essa desconfiança permanente que cedo ou tarde nos faz recuar os dois passos quando ainda mal avançámos um.
Presumimos, intuímos, concluímos até. Se isto então aquilo. Logo vi que ia ser assim. Já estava a prever. Embruxamos diante da bola de cristal embutida no nosso cérebro como um aneurisma pronto a explodir ao primeiro sinal de confirmação da nossa teoria rebuscada.

A confiança limitada, sempre atrás das costas o cutelo do chega pra lá. E os outros sempre tão sagazes, moldados na mesma forma de pão-de-ló, eu não te dizia, estava-se mesmo a ver e as outras confirmações que os factos produzem quando antes nos induzem que a outra ou o outro podem sempre ser uns maus.
Às vezes até são, de vez em quando (que nem aqui a coerência se impõe). E a gente sofre e junta mais um prego no caixão pré-fabricado da nossa fé em extinção.
Outras vezes é a nossa perspectiva adulterada a pregar a partida no desenrolar da situação.
O fenómeno (de)corrente das más interpretações.

Sempre de pé atrás, progredimos aos solavancos pelos caminhos da proximidade possível. Tropeçamos aqui e além, no meio da fuga uns dos outros, as fintas de corpo que a mente nos impõe. Malmequer. Bem me quer. A sorte de acertarmos na pétala melhor e de entregarmos um pouco mais da nossa poupança emocional. Um juro elevado que suporta quem nos atura enquanto a paciência dura nos outros ou em nós.
Costas voltadas, acusações veladas, tiros às cegas num alvo a motor.

E mesmo o amor definha às mãos de tanta suspeita apriorística, de tanto receio com o nosso umbigo maior. Muito sensível às ameaças do exterior. O mundo inteiro, por causa do dinheiro ou simplesmente porque cada vez somos mais idiotas na nossa incursão pelo estranho mundo dos videntes e das médiuns. Paranormal, esta tendência absurda para o conflito interior que alastra como uma praga pela periferia onde acaba por eclodir uma incompatibilidade artificial. Anticorpos contra a infecção, o mal nos outros que pode comprometer-nos a estabilidade beata a que nos agarramos para explicar cada episódio imbecil. Quantas vezes o estúpido somos nós.
Mas em regra só o assimilamos nessa perspectiva quando os danos são profundos demais.

Às vezes dá-me a impressão de que existe um gigantesco equívoco na educação de uma geração inteira, uma enorme rasteira no nosso mecanismo de compreensão do que a felicidade implica e dos (falsos) sacrifícios que pode acarretar. Um medo terrível de tombar de um pedestal que nos isola de forma fictícia dos males na multidão. Todos iguais, exímios na diabolização do parceiro, o passo mais óbvio para a guerra das rosas entre pessoas de bem.
Pensava que, percebi diferente e é-me indiferente se gostas ou não.

A etapa seguinte mais temerosa, lição aprendida à custa de um engano que não queremos repetir. A vida a fugir, nós e o tempo investido às apalpadelas pelo meio da teia viscosa das certezas sem nexo e das falências de relações com tudo o que faria falta para vingarem por si.
Às cegas, retalhamos uns aos outros a tranquilidade que só na confiança se conquista. Cortamos os laços sem querer porque deixamos de os distinguir no meio do breu.
Minamos a solidez.

E depois vagueamos como fantasmas numa busca patética do eterno sossego. No meio de uma sucessão de histórias incompletas onde (quase) nunca acontece um final que nos pareça feliz.
24
Jul06

A POSTA QUE ME CUSTA ESCREVER

shark
escrevo assim.JPG

Como já assumi por diversas vezes mas não me importo de repetir, sou um gajo desconfiado e com tendência para a paranóia. Isso pode explicar-se por diversas razões que se prendem com o feitio mas também com uma sucessão de eventos que me sustenta a fobia da traição.
E não falo (neste caso) da traição em sentido restrito, a cena dos cornos, mas da que está ligada à deslealdade. Laços familiares, emocionais ou de amizade devem ser sagrados e vivo com pesos na consciência por cada gesto que identifico como uma afronta a essas ligações.

Contudo, não é raro ver-me confrontado com a quebra desses vínculos por parte de terceiros, pessoas muito próximas até. E são esses episódios que me vão tornando cada vez menos receptivo à proximidade com os outros.
Ainda assim, não é o acto de traição de que sou alvo que mais me perturba mas sim a injustiça de me ver questionado sem motivo nessa matéria.

Volto a insistir que tenho os meus pecados e não sou um santo (também) nesse aspecto. Todavia, quando dou mais do que devia por um amigo não admito que me apontem o dedo como a um suspeito e ponham em causa a minha lealdade.
Mais do que um insulto, é uma desconsideração e uma injustiça. E fazem-me perder de todo a cabeça com a raiva que toma conta de mim.

São as pequenas merdas de que qualquer pessoa se faz. Cada um tem as suas. E por isso nunca me senti compelido a abdicar dessa revolta instintiva, mesmo sabendo e admitindo que é legítimo da parte dos outros sentirem o mesmo perante as minhas parvoeiras desconfiadas.
É um beco sem saída para as hipóteses de sucesso de qualquer relação de amizade próxima comigo, como é fácil de concluir.
Mas sempre insisti que qualquer pessoa merece um desconto pelas suas fraquezas se em troca oferecer compensações.

A quem as nega não concedo hipótese de retrocesso. Ou seja, se me atingem por sistema com aquilo que entendo como ofensas, desmazelos ou injustiças e nem se esforçam por me dar em troca algo de compensador desse desequilíbrio não há mesmo nada a fazer.
Porque em causa está o respeito que merecemos uns aos outros, muito mais importante do que o orgulho imbecil que corrói a estima pelo ar de desprezo que instila.
Até ao ponto sem retorno…

E na maioria dos casos, o pormenor mais estúpido e grotesco, até bastaria um simples pedido de desculpa para encerrar definitivamente a questão.
23
Jul06

PALAVRAS PERDIDAS

shark
Palavras que escondem as mágoas são como mentiras piedosas dirigidas a quem as pronuncia. São gatos escondidos com o rabo de fora, ocultam a alma que chora por dentro, como um lamento em surdina que ninguém pode ouvir.
E ninguém quer, afinal. Tristezas dos outros não passam de estorvos à felicidade instantânea que se bebe da alienação. A sede de solidão, isolamento, e as repercussões inevitáveis na sensibilidade que parece não fazer falta quando apenas o próprio está em causa.

As palavras assim ignoradas fecham-se em copas no naipe das espadas que trespassam o coração de quem as proferiu. Transformam-se em lacraus, cercados pelo fogo das verdades que queremos esconder. Rabo de fora, na ponta um ferrão venenoso que num acto de traição inocula um antídoto poderoso contra os benefícios da lucidez.
Tombamos de vez nas garras do desconsolo, incapazes de despertar. O resto da vida para gozar, oferecida de bandeja com todas as iguarias de que a felicidade genuína se faz.

Palavras a sorrir, palhaços pobres, para quem nos ferir, gestos nobres desperdiçados, laços dourados nas prendas para a ingratidão. Mentiras piedosas, fachada, a revolta abafada em nome da ilusão. Até se impor a razão, por linhas tortas, escrita nas palavras mortas para a esperança no milagre sempre adiado. Cravadas no peito de quem faz de conta enquanto pode que melhores dias virão.

Palavras de fel, aguçadas, para escarafunchar as feridas. Das mágoas lambidas sem medo da dor.

As palavras esquecidas falavam de amor.
22
Jul06

A POSTA QUE HÁ QUEM ME PREFIRA COMO SOU

shark
A partir de certa altura comecei a notar um desfasamento entre a minha atitude e a de muitos dos que me acompanhavam pela vida nos dias da juventude. De repente ficaram mais sérios do que eu, a maioria. Cresceram mais depressa e mergulharam na pose adulta enquanto eu insistia em agarrar-me ao que podia para retardar a minha entrada naquilo que me parecia uma seca de estado de espírito.

Sem deixar de assumir as responsabilidades normais para um gajo como os outros, enveredei sempre por um culto paralelo de traços que apreciava e me recusava abdicar.
A maluqueira, sobretudo. A capacidade de desbundar depois de adulto boa parte das coisas que pintam como impróprias a partir de uma “certa idade”.
Eu não sei que idade é essa e francamente não me interessa.
Honro os meus compromissos “crescidos” mas não deixo de incutir algo do puto em mim em tudo o que faço e em muito do que sou.

Acredito que essa insistência em preservar a irreverência, alguma ingenuidade e disponibilidade para a aventura me torna um tipo diferente para melhor. Menos certinho, menos alinhado, menos cota.
Todavia, tenho consciência de que alguns desses tiques de chavalo me inferiorizam aos olhos de quem prefere pessoas “maduras”, constantes, regulares.

Aliás, desde há muito percebi que o meu feitio imprevisível constitui um barómetro para o quanto alguém gosta de mim.
Enquanto se divertem com as peculiaridades que o meu lado adolescente produz, encantados com essas diferenças, não escondem o seu apreço.

Confirmo o fim do estado de graça quando vejo as mesmas pessoas, carregadas de desdém, a resumirem a sua falta de pachorra no que já se tornou num clássico da minha existência.

Vê se cresces, dizem eles.

Quem me conhece e me estima de verdade sabe que isso corresponderia à morte em vida de um gajo como eu.

Contudo, na maioria dos casos isso pouca relevância assume para quem me tolera enquanto dou jeito, acham piada, é bom prá paródia e tal, e se está a cagar em mim quando as facetas joviais colidem com os seus interesses sempre manifestamente superiores aos de quem, afinal, não passa de um gaiato aos seus olhos onde já espreitam as cataratas de uma velhice prematura.

Mas eu sou teimoso, fico assim.
Só me interessa agradar a quem gosta de mim.
21
Jul06

PALAVRAS SISUDAS

shark
As minhas palavras não bastam e as ondas arrastam as areias dos castelos, movediças, até ao ponto onde a memória os esqueceu.
Tudo o que se varreu e já não basta escrever nestas pedras de gelo expostas ao calor de um sol apagador e da falta de zelo nas más interpretações.
A fúria que resulta da incompreensão. Distância maior, ao longe o amor a desaparecer para lá do horizonte, a cor a esbater no céu que a noite escureceu na sua ausência.

Até que amanhece, um novo dia, por detrás dessas pálpebras agora fechadas, quando os olhos reflectem o que o coração me diz a sorrir e as tuas palavras sisudas não conseguem, mesmo à bruta, desmentir.

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