Como já assumi por diversas vezes mas não me importo de repetir, sou um gajo desconfiado e com tendência para a paranóia. Isso pode explicar-se por diversas razões que se prendem com o feitio mas também com uma sucessão de eventos que me sustenta a fobia da traição.
E não falo (neste caso) da traição em sentido restrito, a cena dos cornos, mas da que está ligada à deslealdade. Laços familiares, emocionais ou de amizade devem ser sagrados e vivo com pesos na consciência por cada gesto que identifico como uma afronta a essas ligações.
Contudo, não é raro ver-me confrontado com a quebra desses vínculos por parte de terceiros, pessoas muito próximas até. E são esses episódios que me vão tornando cada vez menos receptivo à proximidade com os outros.
Ainda assim, não é o acto de traição de que sou alvo que mais me perturba mas sim a injustiça de me ver questionado sem motivo nessa matéria.
Volto a insistir que tenho os meus pecados e não sou um santo (também) nesse aspecto. Todavia, quando dou mais do que devia por um amigo não admito que me apontem o dedo como a um suspeito e ponham em causa a minha lealdade.
Mais do que um insulto, é uma desconsideração e uma injustiça. E fazem-me perder de todo a cabeça com a raiva que toma conta de mim.
São as pequenas merdas de que qualquer pessoa se faz. Cada um tem as suas. E por isso nunca me senti compelido a abdicar dessa revolta instintiva, mesmo sabendo e admitindo que é legítimo da parte dos outros sentirem o mesmo perante as minhas parvoeiras desconfiadas.
É um beco sem saída para as hipóteses de sucesso de qualquer relação de amizade próxima comigo, como é fácil de concluir.
Mas sempre insisti que qualquer pessoa merece um desconto pelas suas fraquezas se em troca oferecer compensações.
A quem as nega não concedo hipótese de retrocesso. Ou seja, se me atingem por sistema com aquilo que entendo como ofensas, desmazelos ou injustiças e nem se esforçam por me dar em troca algo de compensador desse desequilíbrio não há mesmo nada a fazer.
Porque em causa está o respeito que merecemos uns aos outros, muito mais importante do que o orgulho imbecil que corrói a estima pelo ar de desprezo que instila.
Até ao ponto sem retorno
E na maioria dos casos, o pormenor mais estúpido e grotesco, até bastaria um simples pedido de desculpa para encerrar definitivamente a questão.