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Jul06
A POSTA CONFUSA
shark

Há conflitos interiores muito penosos de gerir. Tanto piores quanto mais contraditória for a essência dos dois extremos em disputa e mais dramáticas se revelarem as perdas associadas a qualquer das decisões finais possíveis.
É que existem conflitos assim, sem uma saída airosa. Uma derrota garantida e a incerteza imediata quanto à escolha acertada do mal menor. Facas de dois gumes e coisas assim.
Como termos que optar entre o apelo do coração e a razão da cabeça, quando esta possui alguma. Acontece mais em vidas intensas e quase sempre lhe está associada uma decisão impossível de tomar. Ficamos rasgados por dentro pelas duas metades equivalentes de nós a puxarem as pontas opostas de uma corda. O que devemos contra o que queremos, para melhor apanharem a ideia.
Pode assumir proporções devastadoras, quando nos deixamos enfraquecer por essa guerra sem quartel que se trava sem controlo algum. Eu contra mim, um absurdo cristalino.
Mas é mesmo assim que me sinto nessas condições, encurralado. Sou filho legítimo da emoção e bastardo da racionalidade que me acautela, que me impede sempre de dar o passo longo demais e que pode virar-se contra mim. As duas realidades que me atormentam quando se enfrentam na sequência de um daqueles dilemas em que parecemos um saco de esponja com um gato assanhado no seu interior. As unhas que nos retalham fornecem o conjunto das dores que se apoderam de nós nessas alturas.
Há quem perca as estribeiras no limite máximo da pressão.
É que por vezes, as próprias perdas inevitáveis constituem a única hipótese de salvarmos algo de precioso para nós. Perdemos até o que olhamos como um pedaço da nossa essência, o preço exagerado de algumas formas de abdicação. Para acudir a outra perda que sentimos ou julgamos ainda mais valiosa para experimentarmos a (difícil) felicidade que a vida nos dá a provar.
Às vezes são os outros que criam o problema, outras vezes somos nós. Incapazes de conciliar o impulso palerma com o discurso racional. E as combinações possíveis entre esses quatro quadrantes do nosso reduzido espaço de manobra.
Filha da mãe de provação, quando a sucessão de acontecimentos parece conjugar-se de forma perfeita para refinar o padecimento, para afiar as garras dos miaus
E depois há os umbigos exteriores, se for o caso, que nos avaliam pelo modo como reagimos ao longo dessas tomadas de decisão. Aumenta a confusão associada e fica quase caótico o campo de batalha onde se desenrola cada guerra civil em nós.
Fazemos merda, claro está.
E depois reciclamos os cacos e construímos à pressa um mecanismo de defesa. A sua fraqueza está nas infiltrações de tristeza no muro patético da nossa debilidade interior mal disfarçada, o tal saco rasgado que nunca conseguimos coser e nos deixa à mercê das ondas de choque criadas. As réplicas inesperadas e algum arrependimento, quando calha, pois cegamos perante a exibição necessária do nosso poder, da firmeza das nossas convicções.
Somos umas criaturinhas mesmo parvas.
Falo por mim, claro está.