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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

31
Jul06

SERVIÇO PÚBLICO JUDAICO-CRISTÃO

shark
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Hoje, num noticiário do canal público de televisão, ouvi referir o bombardeamento israelita a Cana, onde terão perecido quase quarenta crianças, como um “acidente”.Eu não acredito em bombardeamentos acidentais, sobretudo numa época em que é possível atingir um alvo humano a partir da localização do seu telemóvel (como os israelitas já provaram).
Bombardear alvos civis, como o fazem igualmente “por acidente” os combatentes do Hezbolah, nunca pode merecer uma operação estética, um embelezamento verbal para minorar os seus contornos facínoras.

Este tipo de discurso (ninguém chamou acidente à colisão de dois jactos comerciais com as torres do World Trade Center e na óptica de quem executou esse atentado tratou-se de um acto de guerra), denuncia os partidos que se tomam num conflito onde toda a prudência e isenção são boas conselheiras.
Se existisse uma razão, se alguém estivesse do lado certo nesta espiral de violência, seria fácil encontrar uma solução diplomática e pacífica para o conflito israelo-árabe e para as suas repercussões mundiais naquilo a que damos o nome de terrorismo (acto cobarde, deliberado e nunca acidental).

Há poucos dias, as bombas israelitas atingiram (também por acidente?) instalações da ONU no Líbano e causaram a perda de quatro funcionários das Nações Unidas.
Já morreram “por acidente” mais de meio milhar de pessoas desde o início desta sequência de acidentes provocados (lembram-se?) pelo rapto de um único soldado de Israel.

Chamar acidente à chacina deliberada de crianças, como aconteceu por exemplo em Beslan, é uma infâmia e mostra o quanto não se consegue disfarçar para onde pende o fiel da balança na perspectiva “imparcial” da Imprensa naquilo que assume cada vez mais os contornos de uma guerra entre mundos. Os pequenos detalhes também contam e contribuem para diabolizar os “maus” e minimizar os pecados do “bons”.
E eu não distingo com tanta nitidez essa fronteira. E mais: não duvido que se o mundo ocidental estivesse no lado errado do equilíbrio de forças, o terrorismo constituiria uma opção. Exemplos: os métodos da ETA para reclamar a independência do País Basco e, recuando no tempo, os atentados bombistas perpetrados pela resistência nos países ocupados pela Alemanha na II Guerra Mundial.

Não foram acidentes os bombardeamentos a Guernica, a Dresden, a Hiroshima. Tal como não são acidentais os alvos seleccionados pelos mísseis das duas partes envolvidas no conflito que a RTP noticiou esta manhã.
A escalada, o gesto indigno que acicata a sede de vingança num povo que se quer hostil para justificar a sua eventual aniquilação à bruta, constitui uma arma de que qualquer guerra cruel se faz. É isso que fazem, deliberadamente, as partes envolvidas na insanidade que o Médio Oriente protagoniza mas o mundo inteiro interpreta também neste filme com inocentes e com culpados em ambos os lados da barricada.

Apesar de me assumir “ocidental”, não ponho as mãos no fogo por quem me “representa” nesta espécie de cruzada judaico-cristã. Mas também não me revejo na colocação de engenhos explosivos nos transportes públicos para reivindicar seja o que for.
Por isso não gosto de pender para lado algum desta salada letal, tal como não entendo o critério “jornalístico” de uma informação veiculada como a que citei acima.

Morreram quase quarenta crianças vítimas de uma explosão provocada por um dispositivo militar e não pelo rebentamento de uma bilha de gás.

Bombardeamento é um acto deliberado que visa atingir um alvo específico para obter determinada consequência.
Um acidente é um acontecimento súbito, fortuito e imprevisto.

Na Redacção da RTP deveria existir alguém capaz de distinguir estes conceitos elementares.

É para isso que os contribuintes sustentam o tal serviço público que inclui a verdade e a objectividade por inerência.

Pelo menos no Jornalismo digno desse nome.
29
Jul06

A POSTA À PRESSA

shark
A TMN inventou um concurso para os patos seus clientes que adquiriram uma placa GSM. A prova consiste em testar, em simultâneo, a paciência e a capacidade de improviso de quem só pode utilizar a internet durante um máximo de cinco minutos antes de perder o sinal.
Para quem bloga, o desafio é ainda mais interessante pois priva-nos de ilustrar as postas e obriga-nos a despachar a escrita e respectiva publicação (sob pena de só o conseguirmos à 16ª tentativa).

Embora só esteja disponível nalguns pontos do país, esta modalidade pode ser praticada de norte a sul, nomeadamente no litoral alentejano onde me encontro nesta altura.
Volto já.

Logo que possa e tenha sinal.
28
Jul06

NÃO TE PIRES, MARIA JOÃO

shark
ah portuguesa.jpg

Nenhum país resiste a uma sangria de valores como a que enfrenta Portugal. Sangra pessoas, este país entregue aos vampiros oportunistas e aos medíocres comodistas que lhe impedem a circulação até ao enfarte fatal.
Soa pessimista, fatalista até. Mas só os muitos distraídos ou os que se estão nas tintas não percebem que se instalou uma decadência que nem as euforias patrióticas suscitadas pelo futebol conseguem disfarçar.

Uma das melhores pianistas do planeta é portuguesa e acaba de desertar do combate por um sonho a que dará corpo numa Pátria que não a sua, que o deixou definhar. Belgais transformou-se num projecto de vida para uma virtuosa que queria fazer algo de bom pela terra que a viu nascer.
Não a deixaram, à conta daquela visão curta e mesquinha que caracteriza as últimas vagas de decisores desta nação.

Neste país dos alvarás, onde cada iniciativa requer uma inesgotável paciência para enfrentar a burocracia mental dos que mandam, impressos, requerimentos, autorizações, passe por cá amanhã ou depois, quem manda é o outro a seguir, cresce o desalento de quem se propõe fazer a título individual o que compete ao colectivo estatal que todos suportamos.
O rocambolesco exemplo da colecção que Joe Berardo quase implorou que deixassem ficar em Portugal é outra nódoa das que envergonham e desanimam, outro indicador do quanto esta parvónia se transforma aos poucos numa gigantesca repartição de incapazes, de sanguessugas, de bloqueadores.

Será no Brasil que Maria João Pires dará corpo à sua visão. Lá fora, onde se interessaram pela sua ideia genial. Serão brasileiras as crianças beneficiadas pelos horizontes alargados no conceito de uma portuguesa que nunca nos renegou até que a paciência finalmente se esgotou.
Como tantos outros que abdicam com mágoa, impotentes, da sua terra natal.
E assim sangra Portugal os seus melhores, os que querem fazer.

Na pauta dos que só entendem a música (e o resto da cultura) em tom de marcha à ré, escrevem-se nota por nota, como adágios de frustração, os hinos da despedida a um país que mete dó.

Menor.
27
Jul06

CONTO COM UM FINAL FELIZ

shark
gaivotas ah solta.jpg

O velho Baptista, muito tempo depois, ainda frequentava todos os dias o tasco onde ambos se encontravam anos atrás. E ela também.
Cruzavam-se em silêncio, magoados. Estavam separados pelas divergências inconciliáveis de uma relação que nunca deveria ter acontecido. Mas aconteceu, para desassossego dos dois.

Não voltaram a falar depois, mas todos os dias cumpriam o estranho ritual ressentido. Ele sofria e não sabia se com ela se passaria igual. Nenhum deles encontraria uma forma de contornar a situação derradeira, aquela que os havia empurrado para longe um do outro, como carrinhos de choque em permanente rota de colisão. Batiam e fugiam, batiam e fugiam. Até que a última volta chegou.
Um dia os seus feitios embateram sem pára-choques e os danos não se ficaram pela mossa habitual. Foi perda total e a pista fechou.

O velho Baptista, no entanto, olhava para o tempo que restava e torcia-se por dentro de cada vez que a observava sem poder trocar uma palavra sequer. E aquela mulher, tudo em si o gritava, tornara-se uma parte importante, essencial até, do seu quotidiano. Algo que não conseguia explicar, vinha de dentro, incontrolável. Achava-se cheio de razões para nada mais querer daquela pessoa e entendia que assim fosse também do outro lado da questão.

Um dia entrou pelo tasco cheio de determinação. Passou de raspão pela mesa dela, linda como sempre, e deixou tombar sobre o tampo um pedaço de papel.
Depois saiu, mirando à distância a expressão desdenhosa que ela exibira quando lera o que ele havia escrito, antes de o amarrotar e deitar para o chão.
O papel dizia apenas “Não”.

Dias depois, o velho Baptista repetiu a graça.
Outro papel amarrotado, outro esgar incomodado. Mas ele não desistia do que abraçara como uma missão. Trazia o papel na mão, saturado do afastamento que entendia como um cruel castigo.
O segundo papel dizia “Consigo”.

Durante uns tempos, o ancião não apareceu no tasco e ela temeu o pior. Mas não deixava transparecer, orgulhosa, mantinha-se ciosa da sua razão.
Recordava cada uma das asneiras que ele cometera na sua perspectiva. E não reconhecia a sua parte da culpa. Pelo menos não a admitia.
Mas também ela sentia a necessidade de o ver de vez em quando, sozinho, numa mesa qualquer daquele espaço comum.

Disfarçou a alegria que sentiu quando o viu regressar, com um ar abatido, estivera doente talvez. E ele passou pela mesa devagar, olhos nos olhos dela, e deixou o terceiro recado com uma expressão de dor.
Dizia apenas “Viver”.

E ela, intrigada, fingiu-se amuada e machucou-o como aos anteriores enquanto ele espreitava pela montra e seguia o seu caminho habitual.

No dia seguinte ele apareceu outra vez. Parecia desanimado, mas insistiu. Com um aspecto cansado, aproximou-se sem pressa e parou durante uns segundos a curta distância, como que a contemplá-la. Ela fez de conta que não percebeu, conversou com o parceiro da mesa do lado e ignorou o velho Baptista como se ele não estivesse ali.
Pela primeira vez ele não deitou de imediato o papel na mesa. Dirigiu-se ao balcão e pediu uma caneta emprestada, vermelha, e escreveu algo no papel que no caminho de saída deixou tombar mais uma vez.
A última, percebeu ela quando reparou que pela primeira vez eram duas as palavras sem sentido que ele lhe entregava, uma a vermelho e a outra de cor azul.
Esta mensagem dizia “Sem Ti”.

Nos dias que se seguiram ele voltaria, como sempre, ao tasco para a ver. Mas já não escrevia coisa alguma, apenas se sentava em silêncio e bebia o seu café.
Depois saía e olhava-a por detrás do vidro antes de seguir.

Cada dia que passava ela notava o esforço que ele fazia para insistir na sua presença naquele local, vexado e visivelmente desgastado pela ausência de uma reacção.
Ele perdera a esperança, dias depois da última entrega do que considerava uma tentativa de aproximação. A possível, naquelas circunstâncias.
Notava-se no seu olhar perdido numa esquina da mesa ou nas pontas dos pés, na sua apatia, a tristeza que lhe provocaria a incerteza de ela ter entendido ou não o seu recado infantil.

Ela resistia, teimosa, mas sentia-se receosa que ele deixasse de aparecer de vez.
Nessa tarde decidiu oferecer-lhe algo em troca, um sinal qualquer que lhe desse a entender que talvez houvesse uma forma de reatarem a comunicação.
Levantou-se da mesa depois de escrever algo num guardanapo e de o embrulhar em torno de algo que falaria por si.

Passou de raspão na mesa do velho Baptista e deixou cair o guardanapo com um gesto gracioso. E seguiu para a porta, altiva, sorriso nos lábios que dissimulou no momento em que o espreitou enquanto ele abria o guardanapo que dizia apenas “Prova-o” e quatro pedaços amarrotados de papel espalhados à sua frente lhe arrancaram o primeiro sorriso que lhe via desde o dia em que se haviam beijado pela última vez, demasiado tempo atrás.

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