Foto: SharkFez-se esquecido do tempo perdido a sonhar um amor que nunca existiu, nessa forma ideal. Ela chegou e ele sorriu, lábios humedecidos pela sede de beijos proibidos, incapaz de virar a cara e recusar a cedência ao apelo que o coração lhe gritava por detrás de um peito a galope que a razão se esforçava, sem sucesso, para travar.
Sentiu-lhe o cheiro do cabelo e estremeceu. Tinha a noção de que perdia nesse instante a batalha interior contra a violência de um amor que o agredia. Mas impossível de renegar.
Masoquista, avançou. E no empenho que dedicou estava a certeza adquirida de que nenhuma esquina da vida o libertaria daquela prisão emocional. Amou-a até o corpo lhe pedir clemência, condenado, o pescoço marcado pelo ferro em brasa de um chupão. Daquela boca sempre sua que vestia o rosto da mulher nua com sorrisos despidos de pudor, marotos.
Cumplicidade que se fez em muitos momentos de nudez, da alma também.
A felicidade simples da emoção adolescente num adulto consciente da sua reclusão mal assumida. Pregava-lhe uma partida em cada troca de olhares, raios de luz rasgando o espaço entre ambos como o prenúncio de uma tempestade de Verão. O calor que os derretia, no amor que os fundia como vidro pronto a moldar.
Cálices de cristal, reflexos coloridos pela luz intensa do sol que os iluminava abraçados mesmo à beira de uma mesa posta para dois.
Vinho gelado a arrefecer as gargantas que aquecia depois, com as palavras que devolvia embriagadas de fantasia mas controladas pela lucidez. Choque térmico de correntes opostas numa ligação paradoxal, fios descarnados, pontas soltas, a energia desperdiçada no desnecessário acerto das contingências e limitações. Imensas discussões, para nada. Acertos das agulhas magnéticas com pólos sobrepostos, atraem-se os opostos quando não falha o sentido de orientação.
Mas ele fez-se esquecido do tempo investido a alimentar uma ilusão. Ela partiu e ele sorriu, lábios abertos de par em par, promessa renovada, na separação forçada, de um reencontro inevitável algum tempo depois.
Ela não negava aquilo que a arrastava para os braços que agora a envolviam sob a tez alaranjada do ocaso que os despediu.
E a mente dele partiu desarvorada rumo à alvorada do dia em que estariam juntos outra vez.