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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

25
Abr06

...

shark
3agesofwoman.jpgAs três idades da mulher, por Gustav Klimt
De quando em quando, volto ao tema. É tão recorrente quanto inevitável. Resultado de pouca apetência para o disfarce, de sermos mais dados à transparência que à performance ficcionada de um nick.
Andamos por aqui, anos a fio, a desfiar contas de rosários que, na vida real, não contamos a qualquer um. Desmascaramo-nos nas palavras que partilhamos com olhos estranhos. Confessamos mágoas e amores e registamos anseios, numa ilusão febril de garantir que perdurarão para a posteridade. A nossa mais a dos milhões que a eles terão acesso.
Despertamos sensações de doce calor nas emoções alheias, fazemos amigos e inimigos virtuais, somos sujeitos a julgamentos de quem acha que nos conhece pelas mostras de carácter que nos lê. E que podem ser tão verdadeiras quanto a marca de uma camisola da contrafacção.
Há de tudo e para todos os gostos, nesta democrática sociedade de classes que decalcamos para aqui.
Não invento uma pessoa fabulosa por detrás do que aqui escrevo, tal como não o faço na realidade analógica que me acolhe os dias. Dá-me gozo ser eu própria a personagem que represento, em qualquer dos casos. Com virtudes e muitos pecados capitais. Nem melhor nem pior do que ninguém. Just me.

Desconfio que sou composta de fraquezas e delas faço a força que me sustém. Encaixo peças de contradições e extremos incompatíveis, que fazem de mim um puzzle muito pouco fácil de entender.
Sou tantas vezes anjo quanto pecadora, padeço de soberba e ira mais vezes do que gostaria mas não tenho inveja de ninguém e a gula, só se fôr de uma refeição com muitas velas e um bom vinho, à mistura com a companhia perfeita. Da avareza nada sei, ocupada que estou em garantir a subsistência e desbaratar o resto nos pequenos prazeres que fazem com que valha a pena viver: uma cerveja gelada numa esplanada com os pés na areia, um fim-de-semana inesquecível num pequeno hotel perdido no cimo do monte, uma tarde de sal na pele e mar no olhar, enroscada em alguém muito especial. Emociono-me, tantas vezes, com a humildade, as crianças, com as Causas. Mas também com um céu rasgado de cores naquele momento em que a noite se espreguiça de mansinho ou uma música que nos desliza pelos sentidos. Noutras ocasiões, sou uma estátua de gelo.
Confesso a preguiça. Opto, sempre que posso, por saborear o remanso das manhãs ou deitar cedo com um (muitos) livro(s) à cabeceira e usufruir do luxo do descanso, sem culpas.
E pratico a luxúria com despudor. Quando me deixo ir, drag around pelo turbilhão de dois corpos em sincronia perfeita. Sempre que dedos de seda me percorrem a curva do pescoço e se quedam esquecidos por entre o meu corpo ou um sussuro morno me sopra os lábios e os cabelos. Em todas as vezes que o brilho de um olhar antecipa o arrepio e um beijo no interior dos pulsos desencadeia uma tormenta.

Vivo pois, vivo e sonho muito, à minha medida, sem complexos ou condicionantes, por muito que mos tentem impôr. E curto à brava observar os outros, descodificar intenções, ler-lhes os olhos, intuir a verdade e honestidade tanto como a fraude.
Dou de barato a maledicência e a dor de corno e faço o que me dá na gana, sempre e quando entendo que o quero fazer. É assim desde que, muito cedo, descobri que não há grilhetas capazes de domar a força de uma vontade. Foi assim que me ensinou quem me pôs no mundo, me abriu os olhos à injustiça, me mostrou o valor de reclamar direitos e cumprir deveres.

É este, hoje, o tributo que lhes presto. O do orgulho em ser como sou.
E é esta, a liberdade que canto neste dia. A minha.

Mar
25
Abr06

...

shark
revolucao outra vez.jpg

Obriguei a vida a libertar-me aos poucos de uma série de grilhões e de empecilhos que me atrofiavam. Essa missão ainda não se completou e acabo por gerir a existência como uma espécie de revolução inacabada. Como aquela que comemoramos, contra a vontade dos que prefeririam a carta branca para impor regras em benefício próprio e de um reduzido séquito de compadres e de serviçais.

Era um puto quando aconteceu o 25 de Abril, sorte minha. Poupei anos em Caxias ou uma vida de merda, clandestino num exílio qualquer. O meu contacto com o cariz bafiento e hediondo do regime fascista (bois pelos nomes, claro) circunscreveu-se à porrada que os professores davam na escola, com o beneplácito do Estado, da Igreja e da família, e a mais meia dúzia de pormenores a que um chavalo dava pouca importância.
Retive o que interessava, dos meus passeios em chaimites e da observação da euforia colectivista que enlouquecia a vizinhança.

Grupos, clubes, comités e associações nasciam por todo o lado porque todos queriam fazer coisas. Todos queriam o seu quinhão da liberdade conquistada e do poder que o povo nunca cheirara, excepto na versão (vam)pidesca que lhe irrompia pela porta de casa em madrugadas de terror.
Coisas a que ninguém dá valor, por soarem ficcionadas. Mas a ficção fazia-se de pessoas perseguidas, torturadas, sem licença para exprimirem os pensamentos que a maioria recalcava no plano secreto dos medos justificados. Coragem do desespero, a que movia algumas pessoas pelo underground das ideias proibidas.

Quem não alinhava (amochava) sentia na pele e na vida as consequências inevitáveis que os bufos ou os senhores inspectores impunham em nome de um ideal doentio, de uma vergonha para qualquer nação civilizada.
Só descobri essas verdades depois, mas julgo que aprendi a lição.
A minha rebeldia, exibida em todos os palcos que pisei, seria certamente a minha perdição no futuro alternativo que a Revolução me poupou. Assim, acabou por constituir o mote para o pouco que dei de mim à luta pela consolidação dos valores que só a liberdade garante.

A minha liberdade não é negociável. Nem aceita passiva a mais pequena limitação, se injustificada. Apenas a disciplina que reconheço necessária para impedir o desgoverno das multidões e a rédea solta para oportunistas, facínoras e medíocres.
Só neste aspecto a democracia me falhou (bom, a lei do aborto e a eleição do Cavaco também me ficaram atravessadas…). Eles andam aí e contornam sem problemas todos os débeis mecanismos de controlo que acabam por lhes legitimar os abusos, quando manipulados com estratagemas que não passam de ratoeiras para quem se veja no meio do caminho dos múltiplos poderes feudais, o caciquismo que abunda em todas as dimensões do quotidiano.

A minha liberdade serve para falar sem mordaças, amar sem reservas, pensar sem espartilhos e escrever sem temer o lápis azul. Sem o papão de uma guerra colonial estapafúrdia (que a minha Pátria é, sempre foi, Portugal mais as ilhas. E Olivença, do ponto de vista do Direito Internacional, enfim…).

Tenho para mim como certa uma existência sem papões mandões que pretendam controlar-me a cabeça e a vontade que ela consegue produzir.

E por isso não esqueço a gratidão devida a quem me ofereceu este dado tão adquirido que até parece eterno.
Não é. A liberdade pode perder-se de muitas formas e na maioria dos casos só percebemos que a perdemos quando batemos com a mona nas grades insidiosas, de aparência inofensiva, que nos cercam cada movimento, cada pensamento, cada manifestação de vontade própria. A ilusão em que nos embebedam enquanto refinam a sua maquinaria instalada na democracia para nos subverterem pela ambição, até cuspirmos veneno de cobras.

A luta continua e eu não deixo cair o chavão.
A nossa velha Revolução anda a precisar de obras.

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