gravura de Álvaro Cunhal in Desenhos da Prisão Escrevi o meu primeiro texto sobre as questões da igualdade de género quando não passava de uma miúda. Teria uns 16 anos e, por altura de um outro 8 de Março, produzi uma prosa inflamada sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez e a discriminação da Mulher, para um jornaleco da Associação de Estudantes, que se chamava, muito criativamente, "Pedra no Charco"... Ainda hoje guardo, algures, um exemplar amarelecido por entre os objectos que conservo como recordações de infância.
E ainda hoje, vinte e muitos anos depois, aqui continuamos, a escrever artigos de opinião sobre questões que deveriam ser, simplesmente, letra de lei. Que até o são, em termos constitucionais e de direitos humanos, embora o desminta a dura realidade quotidiana de muitas e muitas mulheres. Por aqui continuaremos. Enquanto a desigualdade for a lei que se pratica.
Não se trata apenas de, em Portugal, elas constituírem a maioria dos diplomados do ensino superior. Ou tão pouco, de apresentarem uma das mais elevadas taxas de actividade a tempo inteiro, da União Europeia. Nem sequer de estarem, até, fortemente representadas na administração pública.
Em matéria de tomada de decisões e de ocupação dos cargos mais elevados da hierarquia política continuam, de facto, minoritárias. A maior qualificação escolar e a forte presença das mulheres na população activa não tem como decorrência directa a igualdade de oportunidades entre os dois sexos.
Mas não se trata, aqui, de recordar que, de todos os pobres do mundo inteiro, 70% são mulheres, e que, dos analfabetos e desempregados, dois terços ainda são mulheres ou ainda que, hoje, no século XXI, quando o avanço da ciência e da tecnologia nos permitem equacionar a hipótese de viver em Marte, morrem por dia milhares de mulheres, por deficientes condições de assistência sexual e reprodutiva.
Não, não é apenas isto que está em causa. É o facto de elas terem, efectivamente, as mesmas capacidades que eles. E aí estão, nos dias de hoje, mulheres em todos os ramos de actividade profissional, até mesmo aqueles outrora "interditos" ao sexo "frágil", a prová-lo.
São estas mulheres-exemplo que demonstram a ausência de razões para a discriminação, a falta de oportunidades, o tratamento diferenciado, a condescendência, com que ainda se encara a participação da mulher na vida política, social e profissional da generalidade dos países. Mesmo os ditos desenvolvidos.
Do que se trata, aqui, é de reclamar justiça. (...)
(...)Até lá, continuaremos por aqui.
A escrever crónicas e entoar cânticos, a empunhar bandeiras e a gritar denúncias, a provar verdades, à espera do dia em que mulheres e homens, ombro a ombro, construam em conjunto a sociedade em que nós, as mulheres de hoje, já gostaríamos de viver.
publicado originalmente no Diário do Alentejo - rubrica "em foco", em 3/3/2006MarDos tempos da II Mundial para cá, a evolução foi, sem dúvida, notória, mas mantém-se a divisão tradicional de papéis entre homens e mulheres, no seio da família, a qual é transposta para o resto.
Na esmagadora maioria dos casos é, ainda, sobre a mulher que continua a recair a responsabilidade de cuidar dos filhos e da família. Deste modo, o papel que é uma benção, o da maternidade, cedo se transforma numa condicionante do acesso ao emprego ou a uma carreira, já que uma mulher em idade reprodutiva é facilmente preterida a favor de um homem com idênticas qualificações.
Uma verdadeira política social de promoção da igualdade, deveria, assim, contemplar a criação de equipamentos de apoio à infância e à terceira idade, para uma fácil conciliação de uma vida profissional com a familiar. Enquanto não se produzir a mudança, fará sentido que prossiga a luta das mulheres - e dos homens, seus companheiros - pela igualdade efectiva.
A triste realidade é que, a nível mundial e em termos globais (ainda que com algumas excepções) os valores predominantes ainda colocam as mulheres num estatuto de subordinação. E isto acontece, genericamente, porque as diferenças biológicas, são transformadas em desigualdades sociais. Erradamente. Pelo facto de estarem associadas à mulher características físicas e psíquicas como a meiguice, a fragilidade, sensibilidade, passividade e intuição e ao homem a coragem, a racionalidade, força ou competitividade, ainda hoje, qualquer demonstração de maior assertividade por parte de uma delas no exercício das suas funções profissionais, é associada a histerismo pré-menstrual, ao passo que, quando se verifica num homem, é sinónimo de competência.
São representações sociais machistas e sexistas que assim o determinam. Pois se não o fossem, machistas, associariam a meiguice e a sensibilidade a uma capacidade acrescida para gerir recursos humanos em situações de conflito ou a intuição à efectiva percepção dos problemas quase sempre antes que os homens os vislumbrem, sequer, no horizonte.
Quanto à fragilidade, é quase sempre aparente. Os seus corpos carregam filhos e sonhos, elas baixam febres e amparam quedas, dão pareceres, produzem relatórios, limpam narizes e corrigem trabalhos de casa, desenham edifícios, projectam pontes, fazem contas e compras e escutam confissões, elas analisam amostras em laboratórios e curam doentes, aninham os lutos delas e dos outros, batem recordes, educam, lavam pratos e almas e passam e cozinham e acarinham ao fim do dia. Elas descobrem forças onde insistem em apontar-lhes fraquezas.
As identidades e papéis masculino e feminino não são um facto biológico, decorrente da natureza, mas sim algo que foi construído histórica e sociologicamente. E assim, isso significa que podem ser modificados.
Existem tribos em África que reconhecem à mulher, o papel preponderante na hierarquia social dessa comunidade. São elas que asseguram as decisões e a subsistência do grupo, enquanto a eles, por exemplo, cabe tomar conta dos filhos, até ao primeiro ano de vida destes.
Trata-se, então, de uma questão predominantemente cultural, a que perpetua as diferenças de género, nas sociedades modernas.
O que nos leva a concluir que, a educação terá um papel fundamental na transformação de mentalidades e de práticas e na construção de uma sociedade futura mais justa e igualitária. Promover uma prática educativa não discriminatória desde a primeira infância, com incidência no desempenho de papéis idênticos por parte das crianças de ambos os sexos, contribuirá, decerto, para uma sociedade do futuro em que a efectiva igualdade de oportunidades seja uma realidade inquestionável e que as situações de discriminação e violência sobre as mulheres sejam apenas um facto histórico passado. Assim haja vontade política e medidas reais de suporte.
Até lá, continuaremos por aqui.
A escrever crónicas e entoar cânticos, a empunhar bandeiras e a gritar denúncias, a provar verdades, à espera do dia em que mulheres e homens, ombro a ombro, construam em conjunto a sociedade em que nós, as mulheres de hoje, já gostaríamos de viver.